12 motivos para dizer: a culpa é do Bolsonaro

por William Dunne

Quando foi divulgada a pesquisa do Datafolha no domingo passado (13), os mortos de Covid-19 no Brasil já passavam dos 180 mil. A pesquisa mostrou que, para mais da metade dos brasileiros, Bolsonaro não é o culpado por essas mortes. São 52% os que não atribuem às trapalhadas do presidente as consequências da forma como ele [não] enfrentou a pandemia. Outros 38% consideram que ele é responsável apenas em parte. Somente 8%, uma proporção menor do que o eleitorado tradicional da esquerda, acusam o presidente de ser responsável pela catástrofe sanitária que se abateu sobre o país, e que deixará centenas de milhares de mortos até que uma solução seja encontrada.

A maioria está errada

Essa opinião está objetivamente errada. E é persistente, como mostra um levantamento anterior do Datafolha, divulgado em agosto com um resultado parecido. Por mais que isso seja óbvio, é necessário justamente dizer o óbvio nos dias que correm. Antes da pandemia do vírus, já tínhamos uma pandemia de desinformação. Isso explica em parte como é possível que uma fatia expressiva da população isente o Presidente da República de sua responsabilidade nos desdobramentos desastrosos que a chegada da Covid-19 teve no Brasil.

Por isso, a seguir listamos 12 motivos que mostram porque a culpa da pandemia no Brasil é de Bolsonaro. A seleção é arbitrária, e foi feita entre muitas outras possibilidades, com muitos outros motivos que poderiam ser apontados. Evidentemente, isso não significa que não haveria pandemia sem Bolsonaro, mas seus efeitos poderiam ter sido drasticamente contidos. Basta relembrar que a alternativa a Bolsonaro mais viável das eleições, Fernando Haddad, apresentou logo no início da pandemia um programa para enfrentar a crise desencadeada pelo espalhamento da nova doença contagiosa em território nacional, seguindo as recomendações da OMS e em consonância com estudos que apareceriam ao longo da pandemia.

Os motivos que demonstram a culpa de  Bolsonaro se dividem em três tipos: inépcia para gerenciar a crise; sabotagem contra os esforços de governadores e de agentes do próprio governo federal; influência direta do presidente entre seus apoiadores (contra o isolamento e, agora, contra a vacina). A eles.

1. Coronavírus é uma “fantasia”

No dia 10 de março, Bolsonaro estava em Miami, propondo um acordo de “livre comércio” com Donald Trump, presidente dos EUA. Na véspera, o Brasil tinha confirmados 25 casos de Covid-19 e 930 casos suspeitos. Bolsonaro falou sobre a crise provocada pela pandemia, dizendo que era uma “fantasia”, e que a “grande mídia” estaria exagerando o problema:

No mesmo dia, Bolsonaro disse também que a pandemia estava sendo “superdimensionada”.

São as palavras do próprio presidente. Hoje, mais de 180 mil mortos depois, com a volta dos mais de mil mortos por dia, ninguém diria que a pandemia foi “superdimensionada” pela mídia. Ou que se trata mais de “fantasia” do que de uma crise grave de fato. Mas o estrago já estava feito. No começo da crise, o presidente do país não preparara as medidas adequadas e correspondentes à gravidade da situação. Por isso, a culpa é do Bolsonaro!

2. “Gripezinha”

Duas semanas depois, em 25 de março, Bolsonaro voltou a minimizar a gravidade da pandemia. O Brasil já contava 47 mortos e 26 estados já registravam contágio de coronavírus. Naquele dia, o presidente fez o infame discurso da “gripezinha”, durante um pronunciamento oficial. O mandatário falou abertamente contra as medidas de governos estaduais e municipais que visavam o isolamento social, afirmando que a”vida tem que continuar”. E se gabou de seu “histórico de atleta”, que o livraria de consequências adversas da “gripezinha” que seria a Covid-19.

Como tudo o que Bolsonaro falou sobre a pandemia, o “histórico de atleta” como garantia de não sofrer maiores consequências pelo contágio do coronavírus é uma ideia anticientífica. Não há nenhuma garantia de que alguém, mesmo fora do grupo de risco, não vá manifestar os piores sintomas. Pode acontecer com qualquer um. Mas o apelo do presidente teve efeitos na prática. Como um estudo mostrou, cidades onde ele teve mais votos tiveram menor adesão ao isolamento. Ou seja, o presidente contribuiu diretamente para uma maior circulação do vírus. Por isso, a culpa é do Bolsonaro!

3. Mandetta demitido

No dia 16 de abril, Bolsonaro simplesmente demitiu seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Os dois trocaram farpas publicamente pela imprensa, e divergiam, entre outras coisas, justamente sobre a única medida eficaz para conter o vírus em um contexto de ausência de vacina ou tratamento: o distanciamento social. Mandetta seguia as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde). Bolsonaro era contra, e colocou um ministro novo, Nelson Teich, para fazer o que ele mandasse.

Naquela ocasião, a primeira morte confirmada por Covid-19 no país completava um mês. O número total de óbitos já chegava a 1.952. Bolsonaro desorganizava a estrutura de seu próprio governo diante da pandemia e sabotava ativamente o distanciamento social. É por isso que a culpa é de Bolsonaro!

4. Agitação contra o isolamento

No dia 2 de abril, Bolsonaro postou em sua conta no Twitter o apelo de uma professora de caligrafia de Brasília, Fátima Montenegro, contra o isolamento social. Ela pedia que o presidente colocasse os militares na rua para impedir os governadores de implementar as medidas de distanciamento social. Fazia um chamado para as pessoas irem às ruas exigir a reabertura do comércio, e dizia que o auxílio seria uma política para “vagabundos”.

Um discurso político tão consistentemente bolsonarista gerou suspeitas, e logo identificaram Fátima Montenegro como empresária, dona de uma escola de caligrafia, e apoiadora de Bolsonaro. O suposto apelo “espontâneo” se revelava, então, como um movimento orquestrado do bolsonarismo. O chamado para ir às ruas acabaria dando frutos, como veremos no item a seguir.

Naquele dia, os estados já contavam 365 mortos, com 9.216 casos confirmados. Bolsonaro prosseguia com seu torpedeamento contra a única medida capaz de diminuir o estrago feito pela pandemia. Por isso, a culpa é de Bolsonaro!

5. Bolsonaro promove aglomeração participando de atos por um “novo AI-5”

No dia 19 de abril, Bolsonaro em pessoa simplesmente promoveu a aglomeração, fazendo na prática agitação política contra o distanciamento social. A pauta do ato pedia um novo AI-5, em confronto com estados, municípios e os outros poderes da República. Graças à conivência dos outros atores políticos, o presidente continua no poder até agora, mesmo depois desse atentado contra as instituições e o povo. Os bolsonaristas só não estão dominando as ruas até agora porque partidos de esquerda, movimentos sociais e, particularmente, torcidas organizadas de futebol – obrigados pela extrema-direita – também foram às ruas momentaneamente para expulsar a direita.

Naquela data, as secretarias de saúde dos estados já contabilizavam um total de 2.484 óbitos, com 39.144 casos confirmados. Por promover ele mesmo aglomerações, potencializando o contágio do coronavírus, o presidente é responsável pela proporção que a pandemia assumiu no Brasil. Por isso, a culpa é de Bolsonaro!

6. Pintar as unhas é atividade essencial

Em 11 de maio, Bolsonaro, pessoalmente, por meio de decreto, estabeleceu que academias, barbearias e salões de beleza entrariam na lista de atividades essenciais. Outra medida prática de sabotagem do isolamento social. Tínhamos então 11.519 mortos em decorrência da Covid-19. O anúncio da promoção poderia ser mais ou menos assim: “pague pelos pés e ganhe as mãos, e um caixão”. 

O dia do anúncio dessa medida também foi um dia de demonstração do caos que é o governo Bolsonaro. Quando a nova lista de “serviços essenciais” foi divulgada, Nelson Teich, então ministro da Saúde, estava dando uma entrevista coletiva. Perguntaram a ele sobre essa decisão. Mas o ministro simplesmente não estava sabendo. E assim o presidente, pessoalmente, encomendou alguns cadáveres mais bem arrumados para as semanas seguintes. E por isso a culpa é do Bolsonaro!

7. Cloroquina

Imagem: reprodução

Sem comprovação de que teria eficácia no tratamento de Covid-19, a cloroquina é defendida até hoje pelo presidente. É a panaceia de Bolsonaro para um problema que até então não tinha outra solução além do distanciamento social (agora, com a vacina, finalmente existe outra forma efetiva de lidar com o vírus). Se a cloroquina não tem efeito comprovado contra a Covid-19, ela certamente teve eficácia na propaganda de Bolsonaro contra o isolamento, já que, acreditando-se nesse “milagre”, haveria um tratamento e o distanciamento social não seria assim tão importante.

O governo Bolsonaro fez um estoque gigantesco de cloroquina, que é usada no tratamento da malária. Mês passado, a CNN Brasil revelou que o Exército tinha 400 mil comprimidos de cloroquina encalhados em seu estoque, sem demanda. A compra dos insumos para a fabricação do remédio está sob suspeita de superfaturamento. Em Santa Catarina, as farmácias da rede pública estão com estoque de cloroquina suficiente para 100 anos.

Finalmente, a cloroquina foi o motivo central para que Nelson Teich, sucessor de Luiz Henrique Mandetta, se demitisse do Ministério da Saúde, 29 dias depois de assumir a pasta. Na ocasião, em 15 de maio, Teich partiu dizendo: “Não vou manchar a minha história por causa da cloroquina.” As secretaria estaduais contavam, então, 14.058 mortes. O número de infectados chegava a 204.795. Foi o presidente quem ordenou e ordena pessoalmente até hoje a distribuição do medicamento como tratamento para a Covid-19. Por isso, a culpa é do Bolsonaro!

8. Tentativa de esconder a pandemia

Apesar do barulho constante de ambulâncias em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Manaus, o governo achou uma boa ideia parar de divulgar os números da epidemia de coronavírus no Brasil. A divulgação dos dados foi alterada no dia 5 de junho. Dia 6, a plataforma com os dados consolidados foi retirada do ar. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a pressão pela mudança na contagem partiu da cúpula militar no Ministério da Saúde. Uma decisão do STF acabou obrigando o governo a voltar atrás três dias depois. Mas ficou demonstrado no episódio que a preocupação dos bolsonaristas no governo não é com as mortes de seus governados, mas apenas o impacto desses óbitos de um ponto de vista publicitário. Por isso, a culpa é do Bolsonaro!

9. Pressão pela reabertura

Durante toda a pandemia, Bolsonaro advogou que todas as atividades econômicas permanecessem funcionando a todo vapor, forçando os trabalhadores a se exporem ao contágio. Um exemplo contundente foi o dia em que Bolsonaro distorceu um dado da OMS para pedir mais uma vez a retomada ampla das atividades. Foi em 9 de junho, dia que 1.272 novas mortes foram registradas, chegando a um total de 38.406 óbitos. Bolsonaro pinçou um informe da OMS segundo o qual “parece haver” baixa transmissão do vírus por pessoas assintomáticas para pedir a reabertura do país. No entanto, a própria OMS destacou que essa conclusão era de um estudo chinês de pequeno porte, e que, de qualquer forma, a taxa de transmissão entre pré-sintomáticos seria particularmente alta. De modo que a OMS não deixou de recomendar o distanciamento social para conter o espalhamento do vírus.

Chama atenção o fato de Bolsonaro ter utilizado como argumento um dado da OMS, depois de contestar a organização em diversas ocasiões. Quando é conveniente, os dados são bons. Quando é inconveniente, os dados estão comprometidos. Essa falta de coerência é fundamental para justificar uma política irracional, e o apoiador do presidente que aceita uma contradição como essa aceita qualquer coisa. É o mecanismo de seita do movimento bolsonarista, que leva a uma adesão à pessoa do presidente, independente de qualquer consideração política ou factual. Por isso a inépcia no combate à pandemia faz parte do próprio projeto político da extrema-direita. O resultado disso são muito mais mortes do que seria inevitável, e isso é culpa do Bolsonaro!

10. Veto ao uso obrigatório de máscaras

No dia 3 de julho, na escalada de irracionalidade do bolsonarismo diante do vírus, Bolsonaro simplesmente vetou a obrigatoriedade do uso da máscara de proteção individual em órgãos e entidades públicas e em estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos, instituições de ensino e demais locais fechados, na ocasião em que sancionou a lei que disciplina o uso de máscaras em locais públicos. O uso de máscaras diminui a possibilidade de transmissão do vírus, com a máscara servindo como uma barreira física para a propagação de gotículas no ar durante um espirro ou mesmo durante a fala.

Imagem: Adriano Machado / Reuters

Naquela data, não houve divulgação dos dados sobre a pandemia no Brasil, mas então a Covid-19 matava mais de mil pessoas por dia, num total de 64.265 óbitos. Com essa decisão de vetar o uso obrigatório de máscaras, Bolsonaro agiu diretamente para proporcionar ao vírus mais chances de viajar pelo ar, infectando mais gente e, eventualmente, levando à morte. Por isso, a culpa é de Bolsonaro!

11. Ficar em casa é “conversinha mole para os fracos”

Como uma espécie de aspirante a John Wayne da catástrofe pandêmica, Bolsonaro continuou sua agitação permanente contra o distanciamento social. Dessa vez, o presidente apelou ao brio dos cidadãos, afirmando, durante uma cerimônia de entrega de títulos de propriedades rurais em Sorriso (MT), no dia 18 de setembro, que ficar em casa seria “para os fracos”.

Naquele dia foram registrados 826 novos óbitos, com o total chegando a 135.857. Os “fortes”, segundo essa visão, deveriam sair por aí potencializando a transmissão do vírus. Em cada caso particular em que isso tenha acontecido por causa das palavras do presidente, a situação da pandemia piorou, e por isso: a culpa é de Bolsonaro!

12. Campanha contra a vacina

Finalmente, embora não tenhamos passado ainda o Cabo das Tormentas na jornada contra o coronavírus, a humanidade já conquistou a vacina, muito antes do esperado, por mérito de pesquisadores e cientistas mobilizados no mundo inteiro em busca de uma solução para a pandemia. Bolsonaro, porém (e como esperado dele), não se comoveu com esse milagre da ciência e entrou em uma campanha contra a vacina. Recentemente, declarou que ele mesmo não tomará a vacina, e contestou a decisão do STF que torna a vacina obrigatória, alegando que não haverá vacina para todos. Ora, se não houver vacina para todos isso é responsabilidade do próprio governo. O Ministério da Saúde deveria estar planejando a imunização da população, definindo datas e preparando a logística da vacinação em massa.

Em vez disso, os bolsonaristas estão nas redes chamando a Coronavac, a mais segura das vacinas em teste no Brasil, de “vachina”, alimentando teorias da conspiração sobre a “vacina chinesa” e pregando contra a vacinação. Cada dia de atraso na imunização da população brasileira significa centenas, milhares de mortes a mais, sobretudo num cenário em que os casos de Covid-19 voltaram a crescer significativamente em todas as regiões do país e o total de mortes já passa de 185 mil. Por todas as mortes a mais devidas à negligência na vacinação, a culpa é de Bolsonaro!

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