Em 7 de novembro de 1941, quando todos davam como certa a queda da URSS, Stálin comandou a comemoração da Revolução de 1917 na capital, com os alemães a 30km da cidade

por Alexandre Flach
O texto abaixo é a décima-primeira parte da série Fogo e revolta nas ruas: para onde vai a luta popular?
Os nazistas estavam a aproximadamente 30 quilômetros do centro de Moscou. Acabavam de romper as linhas de defesa soviéticas. Instalações industriais e administrativas estavam sendo evacuadas às pressas. Boa parte dos dirigentes russos havia deixado a capital. O sistema de transporte estava paralisado. A população vivia momentos de pânico, com saques e fugas em massa.
Hitler sabia que ainda enfrentaria alguma resistência, mas o desespero do inimigo e as contínuas vitórias — além do pequeno “detalhe” de já ter conquistado quase toda a Europa — o faziam acreditar que a espinha dorsal do Exército Vermelho havia sido quebrada. Estava a um passo de conquistar a União Soviética e todos os seus imensos recursos naturais, como aço e petróleo, que tanta falta faziam às forças nazistas.

Stálin fica em Moscou e ordena: “Vamos celebrar a Revolução Bolchevique”
No dia 7 de novembro de 1941, quando todos davam como certa a queda do primeiro país operário do mundo, Stálin fez questão de demonstrar que o regime estava vivo. Disposto a lutar até a morte e mostrar para o povo que ele não fugiria de Moscou, determinou que todos juntos celebrariam o que havia de mais importante na vida soviética: a vitória da revolução proletária.

Era uma decisão perigosa: uma enorme parada militar, à luz do dia, traria uma oportunidade de ouro para os alemães matarem soldados, destruírem armas e tanques russos, com possibilidade até mesmo de assassinar a cúpula do governo soviético. Sobre um solo branco coberto de neve, não poderia haver alvos mais fáceis para a aviação nazista. E para piorar, o georgiano ainda mandou tirar a camuflagem das estrelas do Kremlin e do Mausoléu de Lênin, e acender a sua iluminação!
Mas Stálin sabia o que estava fazendo. Dias antes determinara ações preventivas da Força Aérea Soviética, que conseguiram destruir pistas de decolagens usadas pelos alemães, além de deslocar 550 caças de outras frentes e colocar as tropas antiaéreas em alerta máximo. Nenhum avião alemão conseguiu chegar em Moscou naquele momento.

O desfile foi coberto por jornalistas do mundo inteiro e serviu de inspiração para milhares de pessoas que lutavam contra o fascismo alemão. “Nós, jovens, ficamos realmente inspirados. Eu tinha 17 anos na época e fui para a frente de batalha”, lembrou o veterano Serguêi Kolodin, um dos muitos civis que se voluntariaram para a luta.
A próxima marcha na Praça Vermelha aconteceria somente em 1945. Só que aí já seria para celebrar a vitória definitiva sobre Hitler.
Os nazistas avançam — os soviéticos resistem e contra-atacam
Como não é de símbolos ou discursos que são feitas as vitórias, ainda restava muito — ou tudo — a ser feito. Poucos dias após o desfile, a 7ª Divisão Panzer alemã havia tomado o último obstáculo antes de Moscou: a cabeça-de-ponte sobre o Volga. A noroeste, o Exército Alemão chegava a Krasnaya Polyana, de onde já era possível ver os edifícios da capital soviética. As forças soviéticas, por outro lado, estavam esgotadas por meses resistindo a um inimigo até então superior. Restavam algo em torno de 150 a 200 soldados por regimento, o mesmo que normalmente há em uma única companhia.
Mas ao invés de recuar ou apenas se defender, o Exército Vermelho passou a atacar. Em dezembro de 1941 os ataques soviéticos passaram a ser tão poderosos — muitos deles utilizando-se das mesmas táticas de “guerra-relâmpago” dos nazistas, a Blitzkrieg — que forçaram os alemães a recuar, pela primeira vez na Segunda Guerra.
Os soviéticos começaram a usar a tática de não permitir descanso aos alemães. Os contra-ataques eram constantes. A sobrecarga fez os alemães sentirem o poder do inimigo. Não demorou para que as tropas nazistas começassem a enfraquecer e sentir que a luta demoraria muito mais do que o previsto. Eles também enfrentavam problemas com suprimentos. Nem ao menos de roupas adequadas ao frio russo os alemães dispunham. Na pressa voluntariosa de Hitler não havia lugar para preparativos de longo prazo.
“Quando estávamos avançando, nossa artilharia desferiu um fogo tão pesado que muitas vezes suprimiu as defesas alemãs antes mesmo de a infantaria se aproximar de suas posições. Por isso, quando entramos nas aldeias, os alemães já as haviam abandonado. Foi lá que vi pela primeira vez os lançadores múltiplos de foguetes Katiucha em ação – uma visão inesquecível. E, é claro, todas as aldeias tinham sido reduzidas a cinzas”, relembrou mais tarde o soldado Gerts Rogovoi. (Russia Beyond)

Acontece que o Kremlin preparava rapidamente reforços para o Exército-Vermelho, muitos voluntários: o povo soviético queria lutar! Além disso, a indústria soviética estava a todo vapor, produzindo armas, tanques, aviões e munição. Inúmeras fábricas foram convertidas para os esforços de guerra, sem contar que a tática alemã de destruir as instalações industriais russas não contava com a Marcha Para o Leste que mostramos nesta matéria.
Era a hora da verdade. Era o momento em que os muitos anos de preparação para a inevitável guerra entre o fascismo e o comunismo tinham que simplesmente dar certo. E assim foi. Até mesmo o tanque de guerra soviético — o T-34 — tinha uma blindagem tão poderosa que o tornava praticamente imune às armas alemãs. Muitos destes tanques foram capazes de enfrentar e vencer sozinhos toda uma divisão alemã.

“Pela primeira vez nesta guerra, dei ordens para retirar uma grande parte da frente de batalha”, escreveu Adolf Hitler. O recuo alemão foi tão desesperado, que acabavam largando até mesmo sua artilharia para trás. Humilhado, Hitler assume pessoalmente o comando do Exército Alemão, mas mesmo assim os nazistas só conseguiram estabilizar uma linha de frente, a 300km de Moscou, perdendo quase 10 mil soldados, em janeiro de 1942. Ano em que seriam derrotados na batalha decisiva de Stalingrado.
Vitórias importantes, mas a virada só aconteceria em Stalingrado
A vitória soviética na proteção de sua capital obrigou Hitler a reconfigurar totalmente sua tática de “Guerra Relâmpago”. Para os alemães, o fascista inventou aquela história do inverno russo que até hoje engana muita gente… Se fosse assim, não precisava esperar muito para tomar a capital da URSS, o verão já estava chegando. Só que não.
A verdade é que a resistência soviética havia exaurido importantes reservas logísticas da Alemanha. Faltava tudo para os fascistas, até mesmo petróleo. Não havia outra saída para o Hitler a não ser capturar as imensas reservas soviéticas do Cáucaso, mas para isso precisava conquistar Stalingrado (hoje, Volgogrado). Estava por vir a mais sangrenta batalha da história humana até então.
A indústria de guerra soviética, ao contrário da Alemanha Nazista, estava a pleno vapor. Só em 1942, a URSS fabricou aproximadamente 25 mil tanques. Mas até o poder da força militar soviética chegar a Stalingrado, a Alemanha ainda conseguiu fazer um grande estrago, matando quem podia, mulheres, crianças, civis. Mas enfrentava dura resistência dos russos.
A batalha de Stalingrado durou 200 dias e foi uma batalha urbana, marcada por combates de casa em casa, resistência civil e milhões de soldados em luta, levando a quase 2 milhões de mortos, feridos ou prisioneiros. Os nazistas bombardeavam a cidade sem dó. Centenas de aviões da Luftwaffe reduziam tudo a ruínas, enquanto os soldados fascistas seguiam esmagando a resistência russa.
Em segredo, entretanto, o Exército Vermelho mobilizava um enorme contingente do outro lado do Rio Volga, efetuando os deslocamentos apenas à noite. O serviço secreto alemão não conseguiu descobrir a operação, mas os russos deslocaram 430 tanques, 6000 canhões e 1400 lançadores de foguetes múltiplos Katiucha entre outros equipamentos.

Os alemães foram pegos de surpresa. A Operação Urano lançou ataques simultâneos sobre os dois flancos, cercando as tropas nazistas (veja o gráfico). Mesmo assim, Hitler não autorizou a retirada, gerando meses de combates intensos. Por fim, com seus soldados exaustos, quase sem munição e comida, o general alemão Paulus desobedece o Führer e se rende aos soviéticos.

“Naquela manhã, milhares de peças de artilharia do Exército Vermelho despejaram uma tempestade de fogo sobre as posições inimigas e a ofensiva começou. Dias depois, as tropas soviéticas fecharam o cerco aos 330 mil soldados, oficiais e generais do exército de Hitler. Os combates continuaram durante os três meses seguintes, mas todas as tentativas alemãs de romper o cerco e sair foram infrutíferas.” (Russia Beyond)
Após a retomada de Stalingrado, sem condições de chegar ao petróleo do Cáucaso, e diante das enormes perdas em seu exército, os fascistas acabariam sendo paulatinamente empurrados de volta para Berlim, até a sua derrota final.
Milhares de vidas russas foram o preço pago para que o regime operário soviético pudesse livrar a todos nós do horror fascista de Hitler. Um feito que a história demonstrou estar completamente fora do alcance de qualquer país capitalista.
Bom muito bom.
Tentar tomar Stalingrado! Se interromper o transito fluvial do Volga era o objetivo principal nao havia razao para a conquista da cidade. Lutas urbanas sem nenhum sentido estrategico. Se deixaram prender como se fosse a tomada de Singapura pelos japoneses. Stalingrado se tornou uma ratoeira gelada.
JFGW
Excelente o texto…com excessão da parte sobre o T-34. Foi considerado o melhor tanque médio da II Guerra Mundial mas não era nem de longe impenetrável pelas armas alemãs. Foram destruídos aos milhares mas os soviéticos podiam produzi-los em quantidades fenomenais e ainda recolocar em operação muitos dos que haviam sido atingidos.
Boa leitura
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