Ford foi embora: afinal, para que serviram as reformas?

Os brilhantes analistas econômicos que referendaram as reformas rebolam com o habitual economês esotérico para justificar o fracasso das políticas que preconizaram

Imagem: Joa Souza
por Danilo Matoso

“As reformas são necessárias para gerar empregos e garantir investimentos no Brasil”. Essa foi a cantilena repetida ad nauseam desde 2015, quando o grande capital internacional aprofundou as pressões políticas pela retirada de direitos do povo brasileiro, resultando no golpe de 2016 e na eleição de Jair Bolsonaro. Quatro anos após o novo regime fiscal, três anos após a reforma trabalhista e um ano e meio após a reforma da previdência, o desemprego atingiu recorde de 14,1 milhões. Nesta semana, a montadora automobilística Ford anunciou a sua saída do Brasil – uma retirada de investimentos brutal. Ela não é a única. Em dezembro, a Mercedes-Benz também anunciou o encerramento da produção de automóveis no Brasil.

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A implementação das reformas contra o povo estava na agenda do golpe claramente desde o Ponte para o Futuro apresentado pelo PMDB em 2015 – já durante o processo de impeachment – que pautaria a gestão de Temer. Dois anos depois, a associação entre o ultraliberalismo conservador de Paulo Guedes – Chicago Boy pinochetista – e a mão de ferro nazista de Jair Bolsonaro pareceu a melhor alternativa para o grande capital internacional. “Brasil tem direitos em excesso. A ideia é aprofundar a reforma trabalhista”, disse o capitão logo após sua posse. Na ocasião, propunha a “Carteira de Trabalho Verde e Amarela” que, fosse implementada, talvez suprisse a escassez de papel higiênico durante a pandemia.

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Hoje, os brilhantes analistas econômicos que referendaram as reformas rebolam com o habitual economês esotérico para justificar o fracasso das políticas que preconizaram. Não admitem nem admitirão que se tratava de pura ideologia – a maioria é de meros paus-mandados. Por sua vez, os donos do poder, os grandes empresários que financiaram o golpe e as reformas, não admitem nem admitirão que se tratava de luta de classes: era preciso tirar os direitos dos trabalhadores para baixar os salários e a carga tributária, reduzindo os custos fixos da produção e aumentando a mais-valia. Mas somente aumentar a mais-valia sem uma política efetiva de desenvolvimento nacional não é suficiente para manter investimentos no país – menos ainda do capital produtivo.

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Aconteceu o que todo o mundo sabia que aconteceria: sem investimento público, cortado pelo novo regime fiscal, o dinheiro parou de circular e o consumo foi à lona. Sem consumo, de nada serve baixar os custos de produção: a economia para, o desemprego aumenta, a produção se inviabiliza.

No atual cenário entreguista travestido de patriotismo, por outro lado, sequer se cogita a implementação de uma indústria automobilística nacional. A prometida “transferência de tecnologia” das montadoras estrangeiras nunca ocorreu de fato. O Brasil segue sua marcha acelerada de desindustrialização – na esteira de todo o ocidente, é bem verdade – desde meados da década de 1980, caindo de um terço do Produto Interno Bruto para um décimo.

O operariado industrial global cada vez mais se concentra na Ásia enquanto o Brasil volta a passos largos para o período colonial, em que vigiam monoculturas extensivas e uma sociedade escravista. Um desses passos foi dado nessa semana, com a saída da mais emblemática indústria automobilística do mundo, a que primeiro implementou a linha de montagem, em que o trabalhador seria só uma engrenagem. A saída dessa empresa – que se instalara em São Paulo em 1919 – dá a medida do retrocesso tecnológico por que hoje passamos. Como se sabe, se retrocedem as forças produtivas, também retrocede a organização dos trabalhadores.

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A cobrança por alguma “responsabilidade social” ou “compromisso da Ford” com o país é tão risível quanto a cobrança por “democracia” que se faz hoje às grandes corporações de redes sociais, que impulsionam e censuram o que lhes convém. Provavelmente, ao ser interpelado sobre tais critérios de accountability o CEO da Ford, respondeu: Ford you, Brazil.

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