no dia em que perdi meu melhor amigo | por Helena Arruda

#FlautaVertebrada: “era uma manhã fria e clara / como devem ser as manhãs de inverno”

Imagem: jplenio
por Helena Arruda

no dia em que perdi meu melhor amigo
tirei uma foto do céu

eu e o céu-refletido
juntos, numa só imagem, numa só miragem

: azulados, seguimos

era uma manhã fria e clara
como devem ser as manhãs de inverno

estranha sensação de repetição, de estar ainda
ao lado dele

sorrindo

e a música das sereias que chamam
onde o mar arrebenta
ressoava em meus ouvidos em sua voz vibrante e cantante

e eu tão distante do mar
observava cuidadosa as montanhas e ouvia o eco das palavras
saídas de sua boca

e sua alegria contagiante chegava
às gargalhadas

eu sorria como quem vai abraçar as pedras enfileiradas
em minha frente

sempre fui íntima das montanhas e das pedras limadas
pelo tempo

observava as frestas de luz entre as folhagens
que iam rápidas na janela do meu carro
de onde eu me protegia das ausências e do silêncio

um frio intenso e eu
eu ia
e subia e subia

cada vez mais distante
mais distante
do mar.

 

Helena Arruda nasceu em Petrópolis. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (2020), Editora Patuá; Suas publicações mais recentes constam em Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019), Ato Poético (Oficina Raquel, 2020) e Ruínas (Patuá, 2020). Escreve n’O Partisano quinzenalmente às quintas-feiras.

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