Livros | por Luis Britto García

Na avalanche de publicações, e na urgência em inovar, poderão também surgir distopias – mesmo que literárias?

Imagem: Estação Madrid, de Patricia Van Dalen (1955), artista venezuelana
por Luis Britto García, com tradução de Rôney Rodrigues

Seguindo a série Mundos (im)possíveis de Britto Garcíapublicamos o conto Livros, do livro Rajatabla, de Luis Britto García, com tradução inédita em português de Rôney Rodrigues.

Um livro que depois de uma sacudida embaralhou todas suas palavras sem que houvesse maneira de recolocá-las em ordem.

Um livro cujo título por pecar de completo abarcava todo o conteúdo do livro.

Um livro com um índice tão extenso que por sua vez este necessitava de outro índice e por sua vez este de outro índice e assim sucessivamente.

Leia também:  Roupas velhas | por Helena Arruda

Um livro que lia os rostos daqueles que folheavam suas páginas.

Um livro que elencava todos os pensamentos de um homem e que para ser lido requeria a vida inteira de um homem.

Um livro destinado a explicar outro livro destinado a explicar outro livro que por sua vez explica aquele primeiro.

Um livro que resume um milhar de livros e que dá lugar a um milhar de livros que o desenvolvem.

Um livro que refuta outro livro no qual se demonstra a validez do primeiro.

Leia também:  Uma senha para outro tempo | por Sergio Rocha

Um livro que dá tal impressão de realidade que quando voltamos à realidade nos dá a impressão de que estamos lendo um livro.

Um livro do qual só tem validade a décima palavra da página setecentos e todas as restantes foram escritas para esconder sua validade.

Um livro cujo protagonista escreve um livro cujo protagonista escreve um livro cujo protagonista escreve um livro.

Um livro, dedicado a demonstrar a inutilidade de escrever livros.

Deixe uma resposta