#FlautaVertebrada: “Os cabelos claros, / Não parecem ser de vítima / Mas de quem dorme, / De quem apenas espera / Que te peguem nos braços, / E te levem para casa”

por Felipe Mendonça
Entre rostos mutilados
E corpos estraçalhados
Por algum míssil ou bomba,
Pareces apenas dormir
No sossego de um cochilo,
Com lábios e os olhos
Entreabertos, tranquilos,
Em paz, quase posso
Ouvir o ressonar
Do teu sono no sono
Do meu filho.
O rosto para o lado,
O abdome para cima,
Os cabelos claros,
Levemente desgrenhados,
Não parecem ser de vítima
Que morreu
Por causa dos estilhaços
De alguma bomba
Ou míssil europeu,
De algum jato
Israelense ou americano
A rasgar os céus e espaços
Do Líbano e da Síria,
Do Iraque e da Líbia,
Da Faixa de Gaza
Na Palestina,
Mas de quem dorme,
De quem apenas espera
Que te peguem nos braços,
Te acordem com um beijo
E te levem para casa,
Para bem longe
De tanta morte e desespero,
Do clangor feroz
De guerras e Ocidentes,
Da fome concupiscente
De magnatas e monopólios
Por ouro e petróleo;
Que façam o que faço,
Agora, com meu filho,
O que quero fazer contigo:
Tomar-te em meus braços,
Te beijar e te afagar
Para, destarte,
Ver-te feliz
A sorrir e brincar
Sob a paz de uma luz
Que ilumina o meu quarto
Bem longe dos obuses
E dos homens de negro
Que vestem capuz
E empunham fuzis.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.