A verdadeira história do Lobo Mau e os três porquinhos

Uma história contada mil vezes torna-se desgastada e distorcida, de modo que é preciso resgatar sua origem e sua verdade

por Thais Paola Galvez

Era uma vez um grande fazendeiro conhecido como Lobo Mau. Ele possuía tantas terras que para alguém percorrer todos os seus hectares precisaria caminhar sem pausa por 5 dias corridos. Lobo Mau criava inúmeras cabeças de gado, plantava café, verduras e legumes que eram vendidos para os maiores industriais e donos de mercados e hipermercados da região.

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O fazendeiro tinha influência política e sempre se beneficiava disso, ainda mais quando queria ampliar seus negócios. Bastava uma ligação ou uma mensagem de texto que em menos de uma semana já estava inserido em uma nova roda de negócios.

Um belo dia em uma dessas reuniões de negócios Lobo Mau ouviu falar de 3 irmãos, eram pequenos agricultores, porém pelo que todos diziam eram tão cuidadosos com seus produtos que muitos mercados passaram a encomendar verduras e legumes com eles. Lobo Mau olhou para os outros empresários e sem disfarçar sua fúria perguntou:

– Como assim estamos perdendo espaço para essas pulgas? Aposto que não conseguem entregar a mesma quantidade de produtos e ter a mesma agilidade que nós!

A Raposa Mau que também estava na conversa se adiantou e respondeu ao Lobo, apesar de sua fúria visível – Lobo, você precisa entender que vivemos novos tempos! Apesar de sermos mais rápidos, muitos consumidores estão buscando produtos mais naturais, com menos agrotóxico e além disso, dizem querer ajudar produtores menores…

– Isso é absurdo! Como os mercados podem ceder a essas pressões estúpidas!? – respondeu o Lobo enfurecido.

Os empresários se entreolharam e dessa vez o Leão Mau resolveu responder – Olha, Lobo, também achamos isso tudo absurdo e defendemos que medidas sejam tomadas, porém os mercados estão fazendo isso porque os consumidores passaram a exigir e com a Internet… os consumidores ficam sabendo de tudo! Irritado com as respostas e a aparente paralisia de seus “amigos”, Lobo Mau virou as costas e saiu reclamando, ao mesmo tempo em que o Leão Mau completou – Lobo, Lobo Mau, não se irrite! Como você mesmo colocou, são só pulgas e não devemos nos preocupar com isso.

Todos então caíram na risada, mas logo pararam quando Lobo Mau se virou e finalizou – Uma pulga não faz grande estrago, mas se reproduzem rápido e podem beber todo o nosso sangue até secar! – e assim Lobo Mau saiu do recinto e voltou para sua imensa casa. Apesar de todos os avisos e conselhos, Lobo Mau não conseguia mais tirar os três irmãos da cabeça. “Malditos três porquinhos! De onde vieram?? Como conseguem cultivar verduras e legumes melhores do que os meus??”. Com o passar dos dias a raiva só crescia a tal ponto que o Lobo deixou de dormir, de comer e passou a ficar paranoico, pois temia que mais cedo ou mais tarde os três irmãos se uniriam a outros pequenos produtores e passariam a reivindicar espaço e terras que Lobo Mau sabia, havia tomado de forma não muito legal.

O problema é que agora era diferente, essa “maldita internet” e os “consumidores exigentes” estavam prejudicando o esquema há tanto tempo implantado. Diante da situação, Lobo Mau decidiu espionar os três irmãos, para em um primeiro momento tentar descobrir algo com que pudesse chantageá-los para abandonarem os negócios ou venderem suas terras por preço de banana. Lobo Mau então contratou os Ratos, seres bajuladores que faziam qualquer coisa para se sentirem parte do grande círculo dos caçadores.

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Com apenas algumas palavras e um pouco de dinheiro, os Ratos passaram a espionar dia e noite os três irmãos. Tiraram fotos deles fazendo suas refeições, cultivando suas terras, negociando com compradores entre outras situações. Satisfeitos com suas fotos e enquadramentos, os Ratos marcaram um encontro com o Lobo Mau. Ao chegarem no ponto de encontro, o mais cheio de si, sentou-se na frente do Lobo e com o peito inflado jogou as fotos na mesa.

Lobo Mau olhou as fotos uma por uma, observou de perto de longe, virou para um lado e para o outro e após um suspiro, tirou seus óculos e fixou os olhos no Rato mais seguro de si e falou – Isso que você chama de trabalho investigativo? Me diz uma coisa – falou o Lobo enquanto pegava a foto dos três irmãos comendo – o que faço com isso? De que forma essa imagem pode me trazer algum benefício?

– Se…senhor – começou a responder o Rato que agora não era nem sombra do roedor seguro de si que havia jogado as fotos – achamos que essa foto pode ser útil, pois veja só, eles estão comendo frango, quer dizer, que tipo de animal come frango! Irritado Lobo Mau respondeu – Caçadores comem frango seu imbecil! – ao mesmo tempo em que inclinou seu corpo em direção aos Ratos que saíram correndo dali.

Retornando para casa, Lobo Mau se sentou perto da sua piscina e ficou pensando em como acabar com os irmãos enquanto olhava fixamente para o movimento da água. Após algumas horas resolveu utilizar o bom e velho método, ligou para seus contatos no governo e decidiu que pelas “vias legais” iria tentar provar que os três porquinhos na realidade haviam invadido suas terras. Lobo Mau passou vários dias redigindo documentos com seus assessores e políticos que havia financiado, e estruturou toda uma farsa para arrancar as terras dos irmãos.

Passaram-se duas semanas e o plano foi finalmente colocado em prática. Lobo Mau entrou com uma ação alegando que os três porquinhos haviam invadido suas terras, terras que, segundo o Lobo, estavam passando por um período de descanso justamente para proporcionar frutos suculentos e belos. Os três irmãos logo foram informados do processo e tiveram pouquíssimo tempo para apresentar sua defesa, porém o que não sabiam, era que todo o processo já estava determinado e o resultado também, pois o juiz que decidiria o caso, já havia tomado vários cafés com seu amigo Lobo Mau.

O julgamento finalmente ocorreu sob uma grande exposição da imprensa, que assim como o restante dos envolvidos já estava no bolso do Lobo. Por conta disso, os porquinhos eram tachados de criminosos, invasores, aproveitadores entre outras coisas por todos os jornais. Na internet a imprensa independente e alguns sites até tentaram apresentar a versão dos irmãos, mostrando o documento de posse das terras entre outras coisas, porém de que adiantava?, enquanto a internet alcançava 20, 30 mil pessoas, os jornais grandes e suas emissoras alcançavam todo o país com a versão do Lobo Mau.

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Com o encerramento do processo e a vitória do Lobo, a reintegração de posse foi marcada, iria ocorrer em 3 dias. Os três irmãos tentaram recorrer da decisão, mas a cada novo passo que davam, percebiam que o Lobo já havia passado por ali. Faltando apenas 2 dias para a reintegração, os porquinhos decidiram que iriam resistir ao golpe e passaram a organizar uma campanha para sua causa. Conversaram com os pequenos proprietários da região que lhes devolveram apenas tapinhas nas costas, pois temiam enfrentar o Lobo Mau e acabarem na mesma situação.

Os porquinhos procuraram seus apoiadores nas redes, os tais defensores dos pequenos produtores de orgânicos e naturais e mais uma vez deram com o fuço na porta, já que todos se limitaram a mandar figurinhas em discussões de redes sociais e a escrever notas de repúdio. Cansados e sem esperança, os três irmãos decidiram que dependeriam deles e apenas deles para defender suas terras e então se sentaram para organizar sua resistência solitária.

Durante o jantar definiram que suas esposas e filhos deveriam deixar as terras para garantir que estivessem seguros, e os irmãos se dividiriam para proteger suas terras. O mais velho deles ficou responsável por cuidar da casa grande, uma casa antiga e resistente que havia sido construída há mais de 100 anos. O do meio ficou responsável pelo depósito de produtos colhidos, com paredes de metal, mas que guardava as maquinas mais caras dos irmãos. E o mais novo seria o guardião do depósito de estocagem, a última etapa do processo nas terras dos irmãos.

O dia da reintegração chegou e Lobo Mau fez questão de ir acompanhar sua “vitória”. O oficial de justiça, outro que já estava no bolso, deu carona para o Lobo e fez questão de mostrar serviço para o pagador.

– Oficial de justiça! Trago a ordem de reintegração de posse. Vocês precisam deixar as terras imediatamente de forma pacífica, ou vamos intervir – esbravejou o oficial Rato, enquanto agitava o papel da ordem com a pata e olhava para o Lobo em busca de aprovação.

O silêncio tomou conta e ninguém respondeu ao chamado escandaloso do Rato, que acabou se retirando da frente do portão com a cabeça baixa. Lobo Mau olhou para os lados e como estava no comando daquilo tudo, apenas acenou com as garras, ordenando que um dos tratores derrubasse o portão de entrada.

Os reais invasores avançaram pelas terras dos irmãos, Lobo Mau que tinha a imprensa nas patas, exigiu que não tirassem uma foto ou fizessem um vídeo dele passando com um dos tratores por cima das plantações, enquanto o Rato com sua ordem tentava sem sucesso ter a atenção dos irmãos, batendo em todas as portas da propriedade.

Cansado de esperar pela aparição dos irmãos, Lobo Mau decidiu ser ainda mais agressivo, pois ele queria que as câmeras focalizassem os irmãos sendo retirados de lá e, de preferência, algemados! Se sentindo mais poderoso do que nunca sentado no grande trator, o Lobo se dirigiu para a primeira construção que encontrou, e parado diante do depósito de estocagem gritou:

– Saiam já daí seus ladrões! Saiam ou eu derrubo esse horrível galpão de madeira!

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Todos aguardaram por alguns minutos e nada aconteceu. O Lobo então decepcionado por não conseguir a imagem dos irmãos saindo cabisbaixos, partiu com o trator por cima do depósito que se desfez rapidamente, enquanto o mais novo dos porquinhos saía pelos fundos e corria em direção ao galpão de metal.

Após despejar sua fúria no depósito de madeira, Lobo Mau partiu em direção à segunda construção do terreno e, mais uma vez, posicionou-se para as câmeras enquanto dava seu ultimato aos irmãos. Como novamente não recebeu nenhuma resposta, o Lobo em seu trator monstruoso acelerou em direção ao galpão de metal, que apesar de ser mais resistente, acabou caindo e tendo suas máquinas destruídas.

Diante da destruição, os dois irmãos que ali estavam, fugiram em direção à casa grande para se abrigar com o último irmão que ainda se mantinha na resistência. Lobo Mau finalizou a destruição do galpão e seguiu com suas rodas para a casa e último refugio dos três irmãos. Ele subiu a estrada de pedras, destruiu a decoração verde que a cercava e parou diante da grande porta vermelha da construção colonial.

– Esse é meu último aviso! Ou vocês se rendem, ou serão esmagados pelas rodas do meu trator!

Os participantes que acompanhavam silenciosos, mas com os bolsos cheios, trocaram olhares e temendo que aquilo se tornasse ainda mais fatal decidiram se retirar, pois, caso algo mais grave acontecesse, só diriam a boa e velha frase: não vi nada. Vendo que não teria sua plateia, mesmo com o pagamento, Lobo Mau enfurecido pisou fundo no acelerador do trator e rapidamente partiu para cima da casa, que apesar de antiga e histórica, não comoveu o Lobo e muito menos os Ratos financiados.

A grande porta tombou, suas vigas vibraram no mesmo ritmo do motor, o contorno das janelas rachou, tornando as paredes um grande corpo com veias. Telhas se espatifaram, vidros quebraram e toda a história da velha casa foi sendo transformada em pó.

Os irmãos que se encontravam na cozinha nos fundos, mal podiam acreditar que seu lar e sua história estava se desfazendo tão rapidamente diante de seus olhos e em um ato desesperado e instintivo, saltaram pela única janela que ainda resistia ao peso da destruição. O mais novo e mais rápido foi o primeiro a saltar, o do meio saltou logo em seguida e quando ambos esticaram suas patas para ajudar o terceiro, esse os olhou e disse:

– Vou permanecer aqui, pois creio que só com a minha morte a verdadeira história será revelada.

Mal o irmão concluiu sua fala e a última janela cedeu, engolindo o mais velho dos três irmãos.

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A história foi contada e continua sendo, mas a cada versão uma parte é modificada, a tal ponto que muitos acreditam que o Lobo Mau agiu sozinho, e não que usou todo seu poder e influência para tomar o que pertencia aos três porquinhos.

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