O fim da pauta do impeachment de Bolsonaro

A pauta “fora, Bolsonaro” foi deixada de lado, o que aponta para a necessidade de uma reflexão crítica sobre esse tópico

Imagem: SIMEC
por Alexandre Lessa da Silva

Em 26 de fevereiro de 2020, o Brasil descobriu seu primeiro caso de coronavírus. Pouco tempo depois, a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 11 de março do mesmo ano, declarou a COVID-19 uma pandemia. O Brasil já vivia, nesse período, seu inferno particular, comandado por Bolsonaro: o PIB havia desacelerado, a inflação já tinha começado a crescer, o desemprego bateu recorde e as ameaças à democracia já eram costumeiras. Enfim, o presidente eleito passando por cima da lei já havia começado, com todas as suas forças, o desmonte do país.

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Logo que a pandemia começou, os lados foram escolhidos. A esquerda abraçando o lado da racionalidade e da razoabilidade e a extrema direita de uma racionalidade instrumental torta, orientada para o uso desmedido de seus adoradores, não importando se isso custasse as vidas de centenas de milhares de brasileiros. Essa necrorracionalidade dos líderes da extrema direita levou o gado a não temer o vírus e a pandemia e, com isso, ser lançado ao rio sem medo das piranhas viróticas. Assim, os bolsonaristas ganharam as ruas e a força de Bolsonaro cresceu, aparentemente sem concorrentes, a não ser pelos panelaços que ocorriam em todo país. Lembro-me bem que escrevi defendendo a necessidade de irmos às ruas, pois, apesar do vírus, teríamos de conviver com todos os males de um desgoverno sem oposição e, ao mesmo tempo, a proliferação descontrolada da pandemia, pois esse sempre foi o desejo do atual governo. Vi boa parte da grande imprensa defender a posição contrária, dizendo que ainda não era hora de sair e que deveríamos ficar em casa. Finalmente, o povo foi às ruas para combater Bolsonaro e pedir seu impeachment.

Depois disso, houve um embate entre as duas forças pelo comando das ruas. A esquerda promoveu manifestações maiores e mais numerosas até o fatídico 7 de setembro. Nesse dia, Bolsonaro e seus aliados concentraram suas forças em Brasília e São Paulo. As manifestações da extrema direita pediam o fechamento do Supremo e do Congresso, Estado de Sítio, intervenção militar com Bolsonaro no comando e uma série de outros atentados contra o povo brasileiro. Apesar de ser a maior demonstração de força nas ruas de Bolsonaro, o 7 de setembro não foi suficiente para calar as instituições como o presidente pretendia. Em função disso, o STF endureceu com Bolsonaro, ameaças foram feitas e Bolsonaro, como se costuma dizer, arregou. Como já havia assegurado, 4 dias antes, o golpe de Bolsonaro não aconteceu.

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Depois da tentativa frustrada de golpe, Bolsonaro enfraqueceu e seus ataques passaram a ser mais esporádicos e suas manifestações de rua não existem mais, a não ser por alguns “gados” pingados que poderiam se reunir em uma kombi. Entretanto, o mesmo acabou por ocorrer com a esquerda. As manifestações pedindo “fora, Bolsonaro” também minguaram e, apesar de algumas ainda acontecerem, nenhuma de expressão surgiu desde o 7 de setembro.

Assim, a pauta “fora, Bolsonaro” foi deixada de lado, o que aponta para a necessidade de uma reflexão crítica sobre esse tópico. Afinal, o que levou ao abandono dessa pauta e, por sua vez, esse abandono representa uma derrota para esquerda?

Pessoalmente, ainda quero muito o impeachment de Bolsonaro, mas, desde o princípio, sabia da dificuldade da empreitada. Bolsonaro tem em suas mãos o presidente da Câmara e o PGR (Procurador-Geral da República). O processo de impeachment por crime de responsabilidade só tem seu início através do presidente da Câmara, também responsável pelo controle político do processo no caso de crimes comuns. Nesse último caso, o PGR é quem recebe a denúncia, portanto, mais um ponto favorável a Bolsonaro.  Com as Emendas do Relator, o presidente não teve dificuldade em se aliar ao Centrão e conseguir a maioria do Congresso, incluindo o presidente da Câmara, para ficar ao seu lado e contra qualquer tentativa de impeachment. Portanto, não se enganem, só por um milagre o impeachment aconteceria, já que não depende só da vontade do povo.

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Outro ponto a ser apontado é que a pauta do impeachment de Bolsonaro foi uma pauta reativa, surge como uma resposta à tentativa de tomada das ruas pelos bolsonaristas. Escrevi um artigo, em 7 de setembro, apelando para que a esquerda tomasse as ruas no 15 de novembro. O objetivo não era exatamente a manifestação, mas impedir que a extrema direita garantisse mais uma data simbólica para fortalecer suas bases, tentando prever e obstruir as ações de nossos adversários. Entretanto, logo em seguida, Bolsonaro acusou o golpe e as manifestações, como já foi dito, acabaram por enfraquecer.

Pelas razões já ditas e por falta de um apoio mais concreto dos grandes partidos de oposição, as manifestações pedindo o impeachment de Bolsonaro praticamente desapareceram, dando lugar a uma campanha antecipada pelas próximas eleições presidenciais. Apesar de não ter conseguido com as manifestações seu principal objetivo, a saída de Bolsonaro, os protestos dos militantes de esquerda e boa parte do povo brasileiro foram importantes para frear o ímpeto dos bolsonaristas e não deixar que algo pior acontecesse com nosso país. Certamente, a vacinação não teria avançado como avançou se não fosse a reação do povo e o Estado brasileiro estaria ainda mais afastado de algo que poderia ser chamado de democracia.

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Agora, a pauta do impeachment está praticamente sepultada, dando lugar à euforia pelo avanço de Lula em todas as pesquisas eleitorais e a decadência de Bolsonaro e suas derivações, como no caso de Moro. A extrema direita, entretanto, fará de tudo para não perder o poder, mas desta vez os eleitores já estão mais informados das estratégias sujas e ilegais utilizadas por esse setor do espectro político. Todavia, não se deve esperar uma disputa fácil e, certamente, esse é um momento em que a união das esquerdas se faz necessário.

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A batalha do impeachment foi uma batalha perdida, mas necessária. Sabíamos que a chance de vitória era pequena, mas foi uma batalha que necessitava ser lutada. Agora, caminhemos para vencer a guerra, nunca esquecendo da força irracional do inimigo com o qual estamos lidando. É hora de refletir e aproveitar o momento positivo para a esquerda em geral. Não é o momento de discórdia, mas de união para que possamos nos livrar do flagelo desse desgoverno.

Um comentário

  1. “por falta de um apoio mais concreto dos grandes partidos de oposição”
    Reconheçamos: o FORA BOLSONARO, no tocante ao PT, foi um clássico me-engana-que-eu-gosto.
    E por uma razão fácil de compreender: a polarização com Bolsonaro é a tática eleitoral perfeita para 2022 – nisso, o cálculo petista é irretocável.
    A queda de Bolsonaro antes das eleições introduziria no contexto, que já foi devidamente equacionado pelo PT, sabe-se lá quantas incógnitas. E isso é tudo que Lula e o PT menos desejam.
    Hoje, sorrateiramente, o FORA BOLSONARO vai dando lugar ao LULA PRESIDENTE.
    Desde a subida de Jair Messias ao poder, fui a inúmeras manifestações aqui no Rio de Janeiro. Cheguei a participar de uma em que havia mais PMs que manifestantes.
    Numa outra, na qual compareceu parte da diretoria da CUT-RJ, havia no máximo uns 500 manifestantes.
    O PT se gaba de ter mais de 1 milhão e meio de filiados. Além disso, conta com a segunda maior bancada na Câmara, seis senadores, quatro governadores e uma infinidade de prefeitos, deputados estaduais e vereadores.
    Não bastasse, o partido hegemoniza CUT e MST.
    Convenhamos que o visto nas manifestações de rua nem de longe refletiu o exército de que o partido dispõe – ou diz possuir.
    O próprio vice-presidente do PT, Washington Quaquá, escreveu artigo contrário a manifestações durante a Covid.
    Nos dias que antecederam as manifestações de 7 de setembro, nós de esquerda fomos bombardeados por artigos e declarações desestimulando nossa ida às ruas – e não somente de escribas e políticos alinhados com o PT.
    Segundo esses, haveria o perigo de um sangrento confronto campal com bolsomínions.
    Botaram tanto medo no pessoal de esquerda que muita gente ficou em casa.
    Aqui na cidade do Rio de Janeiro, o resultado desse bundamolismo foi o seguinte: uns 3 mil abnegados marchando da Rua Uruguaiana(sabe-se lá por que a organização escolheu uma rua tão estreita para a concentração) até a Praça Mauá, enquanto uns 30 mil bolsomínions faziam a festa em Copacabana.
    Quando eu subi no trem na estação de Inhoaíba e já me deparei com camisetas amarelas, cujo número aumentou exponencialmente em Campo Grande e, na viagem até a Central do Brasil, só fez aumentar, tive a certeza: “Vamos tomar de goleada.”
    E tomamos.
    No mais, é o seguinte: por uma chapa Lula-Alckmin, nem boto o pé fora do portão.
    Voto nulo e foda-se.

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