A China é uma ditadura?

No lugar da Democracia Representativa, onde o povo delega a algumas centenas de representantes a discussão dos rumos do país, funciona na China o chamado “Centralismo Democrático”

Imagem: Shutterstock
por Alexandre Flach

Continuamos a série sobre a China, que começou perguntando “China será o país dos sonhos pós-pandemia?” e continuou com a questão: “Qual é o segredo do sucesso da China?

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Um país com tanta riqueza como a China, com sua imensa população vivendo cada vez melhor, com uma rede de proteção social que deu inveja a todos os grandes países capitalistas do mundo, enfrentando esta terrível pandemia com menos de 5% das mortes ocorridas no maior país capitalista do planeta, é de dar inveja a qualquer brasileiro.

Mas aí vem sempre aquele carinha “sensato” dizer: é… mas a China é uma p* ditadura!

E se você tiver sorte mesmo na vida, ainda vai ter que ouvir o clássico: “A China é um regime totalitário, ninguém tem liberdade lá”. É o que a imprensa gosta de divulgar por todos os lados. Mas será que é assim mesmo? Neste artigo do nosso Especial China, vamos colocar frente a frente o regime político chinês e o ocidental, e aí cada partisano que tire suas próprias conclusões!

Em primeiro lugar, como é realmente a nossa tão querida Democracia Representativa

Na maior parte dos países capitalistas, incluindo o Brasil, funciona o sistema em que o poder popular é exercido no momento em que votamos. Candidatos escolhidos pelos partidos políticos chegam até nós pela propaganda eleitoral e pelas grandes empresas de comunicação, e então escolhemos alguém para exercermos todo o nosso poder, o “poder do voto”. É isso. Democracia.

Vendo o nosso sistema, provavelmente um chinês ficaria cheio de dúvidas sobre o poder do povo nos países capitalistas: e se o seu representante ideal não for escolhido por partido nenhum para ser candidato, como fica? Existe alguma garantia de que os representantes vão mesmo representar os representados? Como você pode controlar os seus representantes?

Para falar bem a verdade, os chineses ficariam ainda mais chocados se soubessem que até mesmo para que um punhado de eleitores ficarem sabendo da simples existência de um candidato, é necessária uma pequena fortuna. Entre os políticos, o que se diz é que R$2 milhões elegem um Senador, R$150 mil, um deputado, e no mínimo R$30 mil são necessários para eleger um vereador de grande cidade. Sem dinheiro, sem chance.

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É chocante, mas tem lógica. O nosso sistema é o sistema da grana. Aqui, quem tem dinheiro, tem poder. Então é normal: para um candidato ser conhecido, os donos do grande capital têm que despejar dinheiro nele.

E não é só isso. O que chamamos “imprensa”, na verdade, são empresas comerciais como quaisquer outras. Quando assistimos a Globo, SBT, Record, lemos jornais, como Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, ou acessamos os grandes portais, como UOL, IG e R7, estamos apenas consumindo produtos oferecidos por uma empresa ao mercado, exatamente igual a alguém que compra um carro ou uma moto. Não estamos recebendo nenhuma informação “isenta”, mas adquirindo um produto empacotado pelos interesses de informação que estas empresas vendem aos seus patrocinadores. O candidato que vai ser “vendido” por essas mesmas empresas também têm que estar alinhados com os interesses desses grandes conglomerados capitalistas.

Nesta situação, não é de se estranhar toda a dificuldade que um candidato realmente popular tem nas democracias capitalistas para conseguir furar essa barreira. A regra geral então é que o político que quiser se eleger, de um jeito ou de outro, vai ter que se submeter a toda essa estrutura onde quem fala mais alto é a grana e os seus donos. Essa estrutura é a chamada Democracia Representativa, onde a voz do povo se resume, no máximo, à voz do voto. Depois de tudo isso, fica a questão: quem o representante vai representar mesmo? Quem votou nele ou quem deu o dinheiro para ele se eleger?

E na China, como funciona?

Na revolução chinesa, o povo destruiu a classe que comanda a produção e a riqueza nos países ocidentais, a burguesia.

Sem a sua burguesia, quem passou a mandar na China depois da revolução foi o Partido Comunista Chinês, e o PC chinês é completamente diferente dos partidos políticos dos países capitalistas. Primeiro quanto ao número de filiados. O PC conta com seus mais de 89 milhões de membros distribuídos por toda a China, até nos lugares mais longínquos e precários do interior, com reuniões e atividades regulares. Outra diferença é a estrutura do partido. O PC chinês é formado por pequenas estruturas de base, comitês populares, com uma média de 20 pessoas, que estão presentes na grande maioria das fábricas, escolas, universidades, empresas comerciais e municípios da China.

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Esses comitês são formados tanto por membros do PC como por filiados a outros partidos (sim, além do PC, existem mais oito partidos na China) e cidadãos sem vinculação partidária, que são a grande maioria do povo chinês. 

Se existem ao menos três membros do Partido Comunista Chinês em determinado local, uma nova unidade de base é formada. Por isso, a maior parte do PC é formada por trabalhadores e agricultores – aproximadamente 34% – seguidos de profissionais e gerentes em geral, com algo em torno de 25% do partido. Os demais 41% são estudantes, aposentados e funcionários do Estado.

Essas unidades de base também exercem um poder fiscalizador independente no que se refere à qualidade de vida dos empregados das fábricas e do campo. Estão presentes em 70% das empresas privadas da China, inclusive as de capital estrangeiro. São estes núcleos populares o principal instrumento de participação popular na China.

Centralismo Democrático

No lugar da Democracia Representativa, onde o povo delega a algumas centenas de representantes a discussão dos rumos do país, funciona na China o chamado “Centralismo Democrático”. A ideia é simples: todas as grandes questões nacionais, como tratados internacionais, políticas públicas, planejamento da economia etc, são submetidas para análise e discussão desses mais de 4,5 milhões de comitês populares, locais onde o povo tem direito a continuamente discutir as decisões do Estado chinês. 

Através dessa estrutura de comitês as discussões vão se “centralizando” pela formação de consensos e maiorias cada vez mais abrangentes, até chegar ao Comitê Central do partido, que concentra as tendências predominantes de cada questão em uma decisão única a ser implementada pelo chamado escritório político (Birô Político). Este Birô é chefiado pelo Secretário Geral, eleito de cinco em cinco anos, que é o equivalente chinês ao Presidente da República. 

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Além disso, a cada cinco anos também é realizado um Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, reunindo as lideranças do Partido, eleitas pelos comitês em todo o país. Nesse Congresso são examinados os relatórios do Comitê Central no que se refere ao período anterior, são discutidos os rumos gerais do país para os próximos cinco anos, e é eleito um novo Comitê Central, que deverá dirigir a China obedecendo às diretrizes e planos aprovados pelo Congresso.

Se com todo esse sistema de participação popular a China pode ou não ser considerada democrática, é uma questão que fica a cargo de cada um refletir. O fato é que, até hoje, com acertos e erros, foi através desse sistema político que a China obteve o seu crescimento econômico e a profunda transformação na qualidade de vida do povo chinês das últimas décadas.

China capitalista?

Nos países capitalistas, entretanto, a imprensa costuma divulgar que a China não cresceu por causa do seu sistema político. Na verdade, seria exatamente o contrário: a China teria crescido “apesar” do seu regime político.  O desenvolvimento chinês teria se dado exatamente pelo fato de a China ter deixado para trás o “ranço comunista”, voltando a adotar o capitalismo. Será que é isso mesmo? 

Como um bom partisano dá a vida por uma boa peleja, este será o próximo artigo desta série, em que vamos colocar o dedo nesse vespeiro e entrar nesta questão polêmica e interessante: a China não seria hoje apenas mais um país capitalista, com um tênue e enganoso “verniz” socialista?

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