De cubículos residenciais de 4m2 na Coreia do Sul à expulsão dos bolsonaristas das ruas pelas torcidas organizadas, passando pelas mentiras da propaganda contra a China

por William Dunne
Quando O Partisano apareceu, em abril, já estávamos todos em quarentena. Ou quase isso. O número de mortes ainda tinha quatro dígitos, mas o biólogo Átila Iamarino já havia alertado em seu canal no YouTube que a pandemia avançaria em proporções geométricas. Antes da pandemia, Trump quase começou a Terceira Guerra Mundial matando o general iraniano Qasem Soleimani. Parece que 2020 estava destinado a tragédias de dimensões bíblicas. Nesse cenário tão adverso, a equipe d’O Partisano deve muito do que conseguiu preservar de sua sanidade ao longo da dura travessia deste ano à atividade para manter no ar este portal.
Felizmente, a resposta do público foi muito positiva e temos tido a satisfação de observar uma audiência muito acima do que se poderia esperar para um portal independente começando sua vida agora em meio à pandemia. Para comemorar a passagem desse ano infernal, selecionamos as 10 matérias mais lidas para relembrar um pouco do que foi esse calvário coletivo.
1. A vida em uma claustrofóbica caixa
A matéria mais lida do ano tratou dos cubículos em que muitos sul-coreanos vivem. Uma realidade ignorada no noticiário internacional, sempre preocupado em fazer propaganda em favor da Coreia do Sul contra a Coreia do Norte. Apartamentos de 4m2 não se encaixam nessa narrativa, daí o apelo do tema.
O preço dessas habitações varia entre 170 e 340 euros mensais, dependendo da região, e vêm com uma cama, uma mesinha de escritório e um pequeno armário, onde se pode deixar os objetos pessoais. A qualidade de vida deixa bastante a desejar, como vocês podem imaginar. As estatísticas locais indicam uma alta porcentagem de depressão e ansiedade entre os que vivem nesses edifícios.
2. As agruras do invisível trabalho doméstico
O segundo texto com maior audiência também relacionou a vida doméstica e cotidiana à sua dimensão política e geral. Porque para fazer faxina em casa todos os dias, alguém precisa se anular intelectualmente para se dedicar sempre a tarefas braçais.
O fato é que manter a casa impecável consome uma quantidade enorme de horas diárias. São as horas em que você deveria estar estudando. As horas em que você poderia estar lendo um livro, ou vendo um bom filme. Ou escrevendo seu próprio livro, ou planejando seu próprio negócio.
3. O grotesco debate da Band em São Paulo
A mais lida em nossa editoria de humor foi um balanço sobre o debate da Band entre os candidatos à prefeitura de São Paulo no primeiro turno. O ex-jogador Denilson ganhou no grito, com o comercial em que entrava nos intervalos em um volume 10 vezes mais alto que o resto da programação.
Denilson Show vence debate de candidatos de São Paulo na Band
Esqueci de falar do Celso Russomano, que teve que explicar um meme. “A menina de 8 anos só queria comprar um biscoito do pacote”. E eu quero pagar IPTU só das horas em que eu tava em casa, Celso, mim ajuda.
4. Stálin fica em Moscou e encara a invasão nazista
A matéria mais lida da série “Fogo e revolta nas ruas: para onde vai a luta popular?” faz parte de um balanço histórico da experiência da URSS. Com todos os erros cometidos e/ou atribuídos a Stálin pela historiografia relativa à Segunda Guerra Mundial, não se pode negar que o georgiano demonstrou coragem ao permanecer em Moscou mesmo com a invasão alemã se aproximando da capital.
Quando Stálin se recusou a deixar Moscou diante da ameaça nazista
No dia 7 de novembro de 1941, quando todos davam como certa a queda do primeiro país operário do mundo, Stálin fez questão de demonstrar que o regime estava vivo. Disposto a lutar até a morte e mostrar para o povo que ele não fugiria de Moscou, determinou que todos juntos celebrariam o que havia de mais importante na vida soviética: a vitória da revolução proletária.
5. As distorções da Reuters fabricadas para fazer propaganda contra a China
Publicada há dois dias, essa desmontagem da farsa da “jornalista” chinesa que teria sido presa por publicar notícias sobre a pandemia de coronavírus em Wuhan viajou pelos quatro cantos na Internet, rebatendo coxinhas que, para todo lado, reproduzem acriticamente as informações distorcidas da Reuters.
Não precisa de muito pra perceber que o objetivo de Zhang Zhan era justamente esse: ser presa. Há muito, ela tenta chamar o máximo de atenção possível. É uma espécie de Sara Winter chinesa: provoca até não ser possível mais ignorá-la. Desde que foi presa, Zhang tem feito pouco para se defender judicialmente: começou uma greve de fome, e mesmo após sua condenação a 4 anos de prisão, não demonstrou interesse em recorrer judicialmente (o que ela pode fazer), apenas se limitou a dizer um de seus mantras: “o cidadão não pode ser privado de se expressar”. Anti-comunista, cristã e ferrenha defensora da “liberdade”, Zhang quer se tornar um mártir a qualquer custo.
6. Entrevista com Jones Manoel
A audiência de nosso entrevistado de outubro colocou nossa conversa com ele entre as matérias mais lidas do ano. Jones Manoel falou sobre PT, a reorganização da luta popular, China, EUA e muitos outros assuntos. Só não teve pergunta sobre Stálin, tema saturado naquele momento em que a grande mídia acusava o militante do PCB e youtuber de ser “neoestalinista”.
A escola não vai fazer milagres. A escola é, em muitos aspectos, muito mais uma caixa de ressonância da produção cultural da sociedade que um espaço produtor de cultura.
7. Demolição do patrimônio cultural
Um tema caro a O Partisano, o patrimônio figura nessa lista com mais uma notícia triste para o Brasil e exemplo de descaso, a demolição de um painel artístico de azulejos na Reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), de autoria do arquiteto Acácio Gil Borsoi.
Nem o edifício nem o painel eram tombados em qualquer instância do patrimônio, e convém notar que duas condensadoras de ar condicionado já interferiam seriamente na leitura do bloco revestido pelos azulejos. A demolição do painel é uma demonstração bastante concreta do que ocorre com nosso Patrimônio Cultural quando faltam as políticas públicas. Conforme já denunciamos n’O Partisano algumas vezes: demolir políticas públicas – especialmente aquelas voltadas à cultura e nosso patrimônio – é uma das linhas mestras de atuação do Governo Federal.
8. O estupro da galinha
Uma reportagem bombástica publicada aqui em junho foi até Eldorado atrás da vítima de um crime do passado de Bolsonaro, que ele confessou durante uma participação no programa CQC.
Apesar do teor da confissão, nenhum repórter, seja da grande imprensa ou da mídia alternativa, se prestou a investigar a história dessa vítima de estupro zoofílico que arrebatou o coração de Bolsonaro – é, ele parece ter coração sim, apesar de não dar bandeira ao fazer tanta merda ao ponto de o Brasil, em breve, não ter mais população, mas, sim, sobreviventes. Naquela época, uma oportunidade jornalística perdeu-se no meio do fluxo ininterrupto de bosta que ele, diariamente, disparava no ventilador midiático.
9. Uma homenagem a Maradona e à unidade latino-americana
Por uma triste coincidência, em 6 de novembro O Partisano publicou uma matéria sobre os dois gols de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986, e seu significado cultural para a América Latina. Menos de 20 dias depois, no dia 25, o “Pibe de oro” nos deixaria.
As veias abertas da América Latina e os dois gols de Maradona
Maradona, em uma arrancada de 60 metros, “América Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina”, passando por 6 jogadores ingleses, inclusive o goleiro de 1,86m, golpeia mais uma vez. O segundo golpe é fatal, inexplicável, de parar o tempo, e apresentar aos europeus algo que eles nunca haviam visto antes.
10. Torcidas organizadas expulsam os bolsonaristas da Paulista
Essa notícia nos conecta diretamente ao ano que vem, que começa dentro de algumas horas. As torcidas organizadas expulsaram o bolsonarismo das ruas, e quando a pandemia acabar a população voltará a tomar as ruas para protestar contra o governo de Jair Bolsonaro, que estava assanhado para dar um golpe com ajuda dos militares mas encontrou reação popular.
À frente da marcha, os Gaviões da Fiel, torcida organizada do clube mais popular de São Paulo, o Corinthians, traziam uma faixa em que se lia ‘somos pela democracia’, uma reação à pregação golpista feita abertamente com mais ênfase pelos bolsonaristas desde a crise aberta pela saída do ministro Sérgio Moro, o ‘Marreco de Maringá’.
Bônus: o poema mais lido
Na editoria de Prosa & Verso, publicamos, dia sim, dia não, a seção de poesia Flauta Vertebrada. Sete poetas escrevem quinzenalmente, cada um em um dia da semana específico: Mell Renault, aos domingos; Felipe Mendonça, às segundas; Andri Carvão, às terças; Fernanda Noal, às quartas; Helena Arruda, às quintas; Deborah Dornellas, às sextas; e Sergio Rocha, aos sábados. Entre os poemas publicados, este do link abaixo, de Fernanda Noal, foi o mais lido de 2020.
de tanta história interrompida por ódio
transformando a vida em estatística
o monstro no espelho
sorri satisfeito