A provocativa e poética fotografia latino-americana contemporânea

Exposição fotográfica virtual celebra a diversidade de artistas latino-americanos, contestando clichês regionais

Imagem: Alejandro Olivares
por Laura Beltrán Villamizar*, para a LensCulture, com tradução de Bibi Tavares

A última década viu uma ascensão da fotografia latino-americana: do início de coletivos e museus, ao desenvolvimento de workshops e festivais regionais. À medida que a região está assumindo total propriedade de seu próprio legado visual, fotógrafos jovens e estabelecidos estão sendo reconhecidos internacionalmente, assim como celebrados em casa.

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

O que é mais interessante sobre o desenvolvimento da comunidade fotográfica na região é que os artistas estão desafiando o clichê remanescente sobre o continente. Enquanto seus trabalhos são frequentemente provocativos e poéticos, isso também força a nós, espectadores, a nos engajar com nossas percepções.

Rica e variada na escolha de artistas, a nova coleção de imagens com curadoria da plataforma online PHmuseum é focada na fotografia latino-americana contemporânea, capturando o espírito desta comunidade florescente. Para a plataforma, que foi fundada em 2012, esse é um assunto intimista: o PHmuseum (Museu Fotográfico da Humanidade) começou na cidade de Buenos Aires, Argentina, e vê o acervo de imagens como uma expressão de gratidão a uma comunidade que os apoiou desde o início.

Eduardo and Miguel, Shabbat. Ignacio Colo

Os artistas apresentados cobrem toda uma sequência de comunidades da região: do norte do México ao sul da Patagônia, essa grande variedade de contadores de histórias reforça o tema multifacetado por trás da mostra. A curadoria conta com trabalhos de fotógrafos renomados; muitos estão em publicações importantes, além de exibidos em casa e também em todo o mundo.

Como um todo, no entanto, a coleção gira em torno de um tema: o poder que o simbolismo carrega quando tenta expressar diferentes identidades, livre de clichês e representações estáticas. Veja pelo trabalho de Leslie Searless, do Peru, cuja narrativa não é clara. Ao invés disso, sua fotografia evoca uma abordagem visualmente mais poética. O trabalho dela parece algo mais misterioso e surreal, fazendo nós olharmos demoradamente, enquanto desconstruímos a mensagem por trás.

 

Untitled, 2014 © Leslie Searles

A imagem de Searles parece a foto de uma galáxia muito distante, tirada por um satélite. Contudo, quando nos aproximamos, as constelações lentamente se tornam algo mais; a explosão de luzes vermelhas, talvez fogos de artifício? Por fim, nós não sabemos o que estamos procurando, mas a naturalidade da fotografia faz com que nos sintamos suspensos no tempo e espaço, dando uma sensação de serenidade.

Leia também:  O aparato cultural que justifica espancamentos e assassinatos

Outra pessoa desse grupo de fotógrafos latino-americanos, cujo trabalho evoca temas da poesia e do realismo mágico, é Prin Rodriguez. Sua imagem retrata uma paisagem surreal: uma nuvem brilhante pendurada no céu bem no topo de uma estrada. De novo, o uso da luz (ou a falta disso), o alto contraste e os tons de azul preparam o cenário para uma paisagem alienígena. Seu trabalho transmite uma ideia de solidão e tranquilidade com elementos etéreos que fazem nós nos questionarmos: onde estamos? E esse lugar realmente existe?

El sur, 2019 © Prin Rodriguez

Ao longo da exposição, também encontramos trabalhos que rejeitam representações preguiçosas de latino-americanos, em sua majestade ou em sua miséria. Em contraste, os retratos dão às pessoas nas fotos uma cobertura completa da emoção e da existência humana. Os personagens têm complexidades e identidades em várias camadas, fazendo com que o espectador desacelere e olhe de perto, questionando nossos próprios preconceitos.

Cholita tenias que ser, 2019 © Sara Aliaga

O trabalho da fotógrafa boliviana Sara Aliaga, por exemplo, explora a identidade da “Chola” a partir de uma perspectiva de empatia. Aliaga constrói seu corpo a partir da necessidade de resgatar a imagem estereotipada dessa boliviana. Ao mesmo tempo, ela desafia as ideias globalizadas de beleza, rejeitadas pelas mulheres mestiças das terras altas do país sul-americano.

Aliaga fotografa as Cholas focando em detalhes que representam quem elas são: suas roupas, seus cabelos pretos brilhosos trançados e seus outros adereços decorativos. “O objetivo final”, diz a fotógrafa: “é dignificar tudo o que elas representam, como mulheres com uma história de grande força cultural”.

Também encontramos esse olhar desafiador em Retrato de Erik, do fotógrafo guatemalteco Juan Brenner. “Erik é um prisioneiro recém-libertado da prisão de Chimaltenango e está tentando se recuperar limpando ruas e consertando buracos na estrada principal”, diz Brenner no retrato. Na imagem, Erik usa um lenço na cabeça, escondendo seu rosto e, portanto, sua identidade. E enquanto conhecemos Erik e sua história, sua identidade oculta se reflete nos muitos Eriks que passam pela mesma experiência e têm o mesmo destino que ele, tornando sua história mais pessoal e mais universal ao mesmo tempo.

Portrait of Erik © Juan Brenner

Nesse enigmático porta-retrato, Brenner analisa o resto da história colonial da Guatemala e a repercussão desses acontecimentos bárbaros. Seu portar-etrato incorpora as “cicatrizes inevitáveis” de mais de 500 anos de desvantagem, escravidão e desigualdades. Da mesma forma, a intimidade do porta-retrato, o simbolismo e a representação de um problema maior na Guatemala alcançam uma grande audiência e uma história coletiva.

Leia também:  Espanha condena rapper catalão por criticar rei espanhol

Karen Navarro, uma artista multidisciplinar que vive e trabalha em Houston, desenvolveu uma abordagem poderosa e única para o retrato, recusando também uma única leitura. “Por meio de retratos não convencionais, minha prática multimídia investiga as interseções de identidade, autorrepresentação, raça, gênero e pertencimento. Usando a fotografia digital como base, transformo as impressões tradicionais em objetos visuais tridimensionais, cortando e incorporando elementos táteis, como madeira, tinta e resina ”, diz Navarro.

Fragment, 2019 © Karen Navarro

“As técnicas de trabalho intensivo que aplico para criar esses objetos esculturais não só permitem a desconstrução física de minhas imagens, mas também se tornam uma forma de meditação que reflete meus esforços em tentar reconstruir e dar sentido à minha própria identidade. “Coloridos e minimalistas de uma vez só, meus retratos construídos destinam-se a convidar os espectadores, enquanto abordam questões delicadas”, ela continua. Com o seu trabalho, ela convida a nós, público, a desafiar as nossas próprias percepções, os nossos próprios preconceitos, ao mesmo tempo que realça as complexidades que constituem quem somos.

Aqui, novamente, o rosto da pessoa que está sendo fotografada está oculto ou cortado ao meio. Desta forma, o rosto de cada indivíduo é frequentemente mostrado escondido ou dissecado, para se referir às identidades complicadas e multifacetadas dos sujeitos de Navarro. “Essas intervenções fazem referência a elementos do cubismo e do surrealismo, gêneros nos quais encontro uma magia inesperada e uma beleza estranha. Uso a fotografia como base para objetos tridimensionais como meio de desafiar nossa percepção visual. Muitas vezes insinuando que a identidade é, de fato, uma construção cultural e social ”, conclui Navarro.

Eu não sou meu pai, 2019 © Adriane de Souza

Outro tema que esses artistas desconstroem coletivamente é a abordagem da masculinidade e da feminilidade na região e como os artistas estão questionando os padrões de beleza e desafiando os papéis de gênero por meio de sua prática fotográfica. Em Eu não sou meu pai, a fotógrafa brasileira Adriane de Souza traz à luz os efeitos do conceito de masculinidade ensinado aos homens – algo que compartimentaliza os sentimentos e emoções dos homens. “Este trabalho busca estimular a criação de conteúdos que vão além do estereótipo do que deve ser o comportamento masculino, e que o homem deve ser forte e protetor, desconsiderando seus sentimentos e afetos. Criando um ciclo sem fim que atinge homens, mulheres e crianças”, afirma de Souza.

Leia também:  Copo Americano, Soviético ou Lagoinha: caminhos de um desenho

A fotógrafa dominicana Ana Espinal, radicada em Nova York, usa a arte da performance para confrontar seus espectadores com noções de beleza. Ao se colocar e fazer autorretratos, ela atua como personagem e fotógrafa ao mesmo tempo. Essa tensão é potencializada pelos elementos que compõem suas imagens: os pelos das axilas que brilham nas cabeceiras ao lado de um vestido feminino, fazendo-nos questionar nossos próprios padrões de condicionamento e beleza.

Untitled © Ana Espinal

Usando a fotografia para confrontar o espectador com seus próprios preconceitos relacionados à feminilidade, aos padrões de beleza e à imagem corporal, ela aborda temas próximos às mulheres e impostos a tantas delas na América Latina. Ao expor algo tão mundano como o cabelo do corpo, ela revela como as mulheres se conformam às pressões sociais relacionadas aos padrões de beleza. “Quero transmitir a realidade oculta do corpo feminino, a dor e as imperfeições que não são faladas abertamente e permanecem invisíveis”, diz a fotógrafa.

Com o LATINAMERICANA, o PHmuseum celebra o talento regional, ao mesmo tempo que apoia artistas independentes da região. A coleção reflete o que os fotógrafos latino-americanos são capazes de fazer: explorar temas pessoais e universais, veiculados por meio da fotografia etérea, simbólica e contemporânea que representa os meandros da região e as diversas formas como o continente latino-americano se revela.

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

*Laura Beltrán Villamizar é diretora de fotografia e fundadora da Native Agency, um recurso notável para descobrir grandes fotógrafos e contadores de histórias visuais de regiões pouco representadas em todo o mundo.

710f00e4 7b0b 47b0 847f 837be3378579
From the series “Suburbia Mexicana” series, 2006-09 © Alejandro Cartagena
3d722ddb 5d59 491a 925b e83877082b30
From the series “OOMO”, 2018 © Andres Yepez
36e1044a 3d3e 438d 81fc 993ab73922f7
From the series “South by the sea” © Cristobal Olivares
F91c677d 4130 443d 938c 2b440b23f1b2
From the series “REDUCCIÓN” © Felipe Romero
55e8ec29 bcdf 4437 8eee b12e4d76fe93
Untitled, 2016 © Florencia Trincheri
23ffd4c1 0b5b 49c8 9276 96bd366de0b5
From the series “Stardust”, 2015-18 © Isadora Romero
35c3c4d7 c8ed 40d7 98b3 c43c211edba7
From the series “Dulce y Salada” © Jorge Panchoaga
6cf4defa c27f 4419 8177 bad968131dbd
Untitled, 2019 © Larissa Zaidan
D5cb2e3d b280 4e4a 9d0e 0c97e56f26c1
D5cb2e3d b280 4e4a 9d0e 0c97e56f26c1 © Liza Ambrossio
A2964821 a7e8 4ee3 911d 5732d78afd3e
© Luisa Dorr
8a57b957 3588 43a9 b028 3d9f915fd4e1
© Musuk Nolte
F234406d 5f10 4b84 84c4 951a93ef6939
© Silvana Trevale
0b2500f8 27d8 41bf b002 f94504e677a9
From the series “Nature is Dead” © Sofia Lopez Mañan

Deixe uma resposta