A arte e a cultura de uma revolução brasileira

Uma arte crítica, que reflita a realidade em sua obra, não é necessariamente uma arte realista, fechada no dogma de uma técnica única, de uma estética fossilizada

Imagem: Capa de Pau Brasil, de Oswald de Andrade
por Matheus Dato

Em meu último escrito, tive a oportunidade de elaborar de maneira breve as consequências do modo de produção capitalista para a criação humana da arte. Sucintamente, ficou declarada a impossibilidade de existir uma arte livre e independente enquanto a mercadoria for a forma dominante de todas as coisas.

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Se o dever de todo revolucionário é fazer a revolução, então esta tarefa passa, necessariamente, por tornar presente nas idéias alinhadas à práxis as formas e relações que deverão existir em uma nova sociedade. O marxismo jamais afirmou que a simples tomada do poder ou a derrubada da burguesia traria de repente a solução de todas as crises e contradições do sistema em que estamos inseridos; ao contrário, o período de transição que denominamos como “socialismo” é uma verdadeira batalha entre o novo mundo e a velha construção capitalista.

Se isso tudo é verdadeiro, não há outra saída senão reconhecer que o novo homem precisa de uma nova arte, e a nova arte precisa de um novo homem. O triunfo da revolução brasileira precisa de uma arte revolucionária e uma arte realmente revolucionária não poderá ser alcançada a menos que quebremos a espinha dorsal do poder da classe dominante não somente sobre o mundo material, mas também o seu domínio sobre nossas consciências e nossas criações. É justo então introduzir o que podemos pensar sobre a construção de uma nova arte popular e rebelde para o Brasil.

Marx, em seus “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, nos diz que o fim da alienação do homem será o momento em que este passar a encarar o mundo e se relacionar com todas as coisas mais humanamente: se a alienação é a coisificação do homem, a libertação tem a dar a todo o mundo concreto uma face mais humana. Baseando-se neste método, podemos concluir inicialmente que a arte do socialismo é uma arte do ser, não uma arte do possuir; a concepção artística da revolução é de uma criação feita para o homem, pelo homem e com características reconhecidamente humanas.

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Mas uma arte mais humana não é individualista. Quanto mais livre se é, mais o homem se realiza em sua sociedade. A plenitude do socialismo não está em criar simplesmente melhores indivíduos, mas em criar melhores sociedades. Ao passo que a classe trabalhadora adquire o seu papel de domínio, a arte se torna proletária – mais do que isso, a arte se torna popular.

O isolamento da literatura, da ciência e do trabalho artístico como um privilégio de poucos é antinatural, uma criação perversa da sociedade de classes. A nova arte socialista se realiza quando é feita por todos os trabalhadores, sendo cotidianamente apropriada pelo coletivo, de acordo com a capacidade de cada proletário. Criar uma nova cultura que não esteja preocupada em adular o gosto medíocre da burguesia é parte da luta política de dar visibilidade às histórias e expressões genuínas que surgem no seio do povo e permanecem ignoradas pela avalanche de lixo que a classe capitalista empurra em nossas mentes.

Assim, o objeto da arte socialista é a realidade, mas não qualquer realidade. A disputa que se trava no campo do simbólico é para fazer surgir no horizonte um retrato das necessidades das massas, de seus anseios, suas vitórias e seu ser real.

Enver Hoxha, dirigente socialista da Albânia, proferiu em um discurso de 1965 o seguinte ensinamento sobre esta questão:

Os escritores, os atores e os pintores devem viver no conjunto do povo e devem, também, seguir as orientações do Partido, devem conhecer e sentir os problemas das massas, suas alegrias e tristezas, suas vitórias e derrotas. Esta realidade não pode ser escrita nem expressada no palco com base somente em aulas formais e métodos mecânicos. A escola ensina atores, músicos etc., isso é muito bom, mas a vida, com seu trabalho e luta, ensina-lhes outras coisas, muito valiosas e inspiradoras.

Não há espaço para um artista que não seja também um trabalhador em uma sociedade revolucionada. Também não há espaço para uma arte que desconheça sua verdadeiro inspiração: o povo trabalhador do campo e da cidade.

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Uma arte crítica, que reflita a realidade em sua obra, não é necessariamente uma arte realista, fechada no dogma de uma técnica única, de uma estética fossilizada. O retrato da realidade do homem socialista parte de sua interação com o mundo que encontra sob os seus pés, com todas as diversidades e matizes de nossas percepções e interpretações como seres sociais e pensantes.

Muito embora a cultura socialista seja a irmã gêmea da teoria do proletariado, e aqui não podemos deixar de destacar o papel fundamental deste aspecto para a educação política dos trabalhadores, uma arte revolucionária não se apresenta sempre como agitação e propaganda. A arte crítica e que faz avançar a consciência do trabalhador universaliza um conhecimento muitas vezes restrito, une os militantes dispersos e questiona de maneira coerente a fraude da sociedade burguesa; uma estética moderna, uma linguagem clara e um propósito correto se mostram infinitamente mais eficientes do que a simples pregação comunista por meio de pinturas, cartazes e murais.

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São inumeráveis as características que podemos atribuir ao poder artístico do socialismo, mas penso aqui ter contribuído humildemente para compreendermos o fundamental.

Concluindo, então, por que se preocupar em teorizar sobre o futuro, com a cabeça nas nuvens, se nosso povo não é capaz sequer de alimentar-se dignamente no Brasil? “Estamos a anos-luz de uma revolução socialista nestas terras! A nossa proximidade agora é com o fascismo que está no poder!”

Pois bem, a realidade é que a produção de uma arte que consiga levar adiante esta natureza aqui descrita não é uma teoria para o futuro, é uma tarefa para o presente. Mais do que obras filosóficas, ainda que fundamentais, precisamos de manifestos que empurrem os artistas a configurarem, aqui e agora, a consciência que pretendemos adquirir em nossa luta constante e incansável pela revolução e pelo comunismo. Será impossível, garanto, animar o povo a assumir seu papel de senhor de sua própria história enquanto ele estiver mergulhado nesse universo cultural medonho e corrupto que anos de subdesenvolvimento e exploração nos legaram.

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A revolução, como sempre, começa com a centelha do hoje. Em cada greve, em cada luta e em cada arte.

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