#FlautaVertebrada: intensa reflexão sobre um dos mais importantes elos interrompidos abruptamente pela pandemia

por Helena Arruda
a boca estrangula o poema
que quer se libertar
deslizando pela língua
mas não consegue
porque a palavra está presa
enlutada enterrada emudecida
no coração cansado que desbate
quando vê as crianças órfãs da covid
quando vê três meninas com as pás nas mãos
cavando o buraco onde será depositado o caixão
com a mãe dentro
a mãe que não é só corpo e vírus
a mãe que é amor e colo e braços e abraços
e sorrisos mortos
e palavras na memória
o amor e a mãe ali no chão com as filhas
descalças
sobre o vermelho da terra que cobrirá o corpo
que cobrirá o todo a vida a luta o luto o choro
engasgado sem ar sem respiração sem lágrimas
só o silêncio e a ausência do estado e a revolta
e a indignação
e a terra
que cobrirá a mãe a esperança e o pão
mas não o amor.
Helena Arruda nasceu em Petrópolis. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (2020), Editora Patuá; Suas publicações mais recentes constam em Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019), Ato Poético (Oficina Raquel, 2020) e Ruínas (Patuá, 2020).