#FlautaVertebrada: “A supernova / É ferro e cálcio, / Carbono e boro, / Matéria orgânica / Do teu desterro / Em supersônica / Exsudação”

por Felipe Mendonça
“Porque tu és pó e ao pó retornarás”
(Gn. 3:19)
A supernova
É flor de raios
Apavorando
Floricultores,
A tantos povos
A contemplarem
Imenso brilho,
Origem e fonte
De todo o riso,
Do todo o choro
E da pergunta
Sobre o que somos,
Para onde vamos.
A supernova
É nossa mãe
E nosso pai,
Deu causa a tudo,
Ao teu destino
E à nossa fé,
Gerou, profana,
Buracos negros
Insaciáveis
E até as unhas
Tão comezinhas
Do nosso pé.
A supernova
É geometria
A ejetar-nos
Um rubro espectro,
Etéreo aspecto,
A quintessência
De todo o cosmo.
A supernova
É substância,
Todo o minério
Do teu planeta,
O claro enigma
Do teu mistério.
A supernova
É ferro e cálcio,
Carbono e boro,
Matéria orgânica
Do teu desterro
Em supersônica
Exsudação.
A supernova
É festa e luz,
Tão branca luz,
Tão fero brilho,
É vida e morte
A explodir
No céu da China,
Em Cassiopeia
E na Serpente
Ao olho enorme
De Brahe e Kepler.
A supernova
De nada esquece
E a si requer
Matéria, outrora,
A ti, emprestada.
A supernova
Está no fundo
Do altivo céu,
Além do véu
Do firmamento,
Na grande Nuvem
De Magalhães
Que se te espelha
Destino e halo.
A supernova
Não mente ou ri,
Te dá o dente,
Depois o toma,
É tua origem,
É tua esfinge,
Espelho e berço
De todo o fim.
A supernova
É muito séria,
Térmico útero,
Fornalha cósmica
Colapsada,
A Sanduleak
Brilhando mais
Que a própria Vésper
A derramar-se
Por vasto céu.
A supernova
Encena os céus,
Condena os céus
Com raios gama
E raios x,
Ponteia os astros
Do cientista
E do menino.
A supernova,
Que tanto amas,
Em ti, reponta
E te reconta
A própria imagem,
O curso d’água
De toda a vida.
A supernova
É a inflação
De quente lóbulo
Que nos semeia
Novas estrelas,
A sementeira
Evanescente
Que te refaz
E degenera.
A supernova
Põe a serviço
Toda a matéria,
E novas nuvens
E nebulosas
Que te fecundam
E te inoculam
Veneno e pólen
Do céu longínquo.
A supernova,
O bronze e a pátina
De novas vidas
E novas Terras.
A supernova
Deu tempo ao homem
E o subtrai
Do solo ao cosmo.
A supernova
Te dá o câncer
E a rara chance
De redimir-te,
Ignorado,
E ignorando
O próprio acaso
De toda história.
A supernova,
A destrutiva
A destruir-se,
A destruir-me
E a construir-nos
Do pó sidéreo.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”.