#FlautaVertebrada: da escravidão nas Américas aos refugiados de hoje tentando entrar na Europa, “a tragédia da humanidade inteira / a mover-se e desaguar”

por Deborah Dornellas
há sempre barcos
à deriva nos mares não nossos
naus, botes, catamarãs
lotados de vozes corpos sonhos
que tentam travessias
dezenas de vezes
e esperam manhãs
antes de se afogar
muitos navegam nas costas do continente
com nome de deusa
que envelhece há séculos sem se dar conta
(um deles foi o Blue Sky
e seus ocupantes ficaram exaustos
de dormir sob as estrelas
outro carregava a bandeira de Serra Leoa
mas ficamos surdos ao seu rugido)
a tragédia da humanidade inteira
a mover-se e desaguar
há barcos incontáveis
e gente desterrada ou submersa
nas costas de cada um de nós
Deborah Dornellas, carioca criada em Brasília, vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e aprendiz de artista plástica. Por cima do mar (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o Prêmio Literário Casa de las Américas 2019, na categoria “Literatura Brasileira”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às sextas-feiras.