#FlautaVertebrada: a rosa-dos-ventos sopra os pedidos de socorro pelo caos que virou o Brasil; e numa lama de corpos brasileiros, a morte é desdenhada

por Helena Arruda
hoje acordei sufocada
: meu ar dissipou-se de angústia
ao abrir os olhos e os ouvidos
para os gritos
vindos de todas as direções
[-rosa-dos-ventos-]
soprando pedidos de socorro
e choro e dor e luta quotidiana
do meu povo sofredor
: sem ar, sem leito,
sem respirador.
hoje acordei estupefata de revolta
neste país à deriva,
desgovernado,
barco abandonado
no meio da tempestade
[do caos que virou o Brasil]
no leme, piratas insanos,
negacionistas, milicianos
que regateiam a vida
[e a morte]
enquanto mentem
e debocham
e tripudiam da miséria,
das covas abertas no barro
vermelho
que logo ficará sem cor,
sem marca,
sem identidade.
[lama de corpos brasileiros]
cidadãos abandonados
pelo poder público,
pelo poder
[poder]
hoje acordei claustrofóbica
com a cegueira dos imbecis
que cospem no seu próximo,
impondo as mentiras criadas
nos gabinetes do ódio,
da casa grande.
essa imensa massa amorfa,
anencéfala,
que rouba a bandeira, a pátria,
a nação,
mas, sem perceber
é a massa burra
da servidão.
Helena Arruda nasceu em Petrópolis. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (2020), Editora Patuá; Suas publicações mais recentes constam em Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019), Ato Poético (Oficina Raquel, 2020) e Ruínas (Patuá, 2020)