Sedimento | por Deborah Dornellas

#FlautaVertebrada: “não tenho nome mas tenho corpo / meu verso é isso: / pele carne músculo osso / sangue espesso / humano gesto”

Imagem: Free-Photos
por Deborah Dornellas

(para Itamar Vieira Jr, que me traduziu o rio de Heráclito)

não tenho nome
só uma identidade antiga
em camadas interpostas de
água e rochas sedimentadas

a primeira é um rio subterrâneo
onde moram as imagens antes de serem:
o rio corre ininterrupto
sob as coisas e apesar delas

a segunda está no meio do caminho
pedra no caminho do meio:
não cede ao peso da terra
e tem a força do tempo

a terceira é ilusão:
aflora no ventre do sempre
com o desejo do agora
e pensa que sabe muito
mas na verdade ignora

a última me toca os pés
à flor da água
como alga na corrente:
engancha, volteia, liberta-se
retorna à nascente

não tenho nome mas tenho corpo
meu verso é isso:
pele carne músculo osso
sangue espesso
humano gesto

não tenho nome
só vontade muita em camadas
sobrepostas
numa montanha de séculos e gente
nas minhas costas

 

Deborah Dornellas, carioca criada em Brasília, vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e aprendiz de artista plástica. Por cima do mar (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o Prêmio Literário Casa de las Américas 2019, na categoria “Literatura Brasileira”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às sextas-feiras.

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