#FlautaVertebrada: “Vou caindo / Como quem cai na estrada / Vazia de gente e bicho / Escura e empoeirada”

por Deborah Dornellas
Vou caindo
Vou caindo ligeiro
O rés do chão vem surgindo
No meio do meu desespero
As pernas vão falseando
Os pés perdendo a pisada
O corpo perdendo estatura
Os braços sentindo o nada
Vou caindo
Como quem cai na estrada
Vazia de gente e bicho
Escura e empoeirada
Os olhos vão se apagando
Os ouvidos já estão moucos
O nariz não sente mais cheiro
O ar que respiro é pouco
Vou caindo
Vou caindo ligeiro
Um só movimento e eu despenco
Pra dentro do despenhadeiro
Meu tronco já não me segura
Vazio está o meu peito
O fio está se soltando
Viver já não tem mais jeito
Vou caindo
Já nada em mim me suporta
Estou parada no tempo
Fechou-se a última porta
Vou caindo
Vou caindo ligeiro
A cor das coisas sumiu
O som, a carne, o cheiro
Vou caindo
Já caí
O rés do chão
É aqui
Deborah Dornellas, carioca criada em Brasília, vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e aprendiz de artista plástica. Por cima do mar (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o Prêmio Literário Casa de las Américas 2019, na categoria “Literatura Brasileira”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às sextas-feiras.