#FlautaVertebrada: “Súbito, se abateram, / Sobre meu país, / A fome, o desespero / E o pranto / Que acompanhavam / Negra sobrepeliz”

por Felipe Mendonça
Meu país
Era uma nação feliz
Antes dele.
Flor de lis
Dos trópicos
E do equador,
Esperança
De todos os famélicos
E dos que sentem dor
Ainda que o ameaçassem
Púlpitos, martelos
E as fogueiras da intolerância.
Súbito, no entanto,
Deixou de ser belo
Quando ele chegou,
Súbito, se abateram,
Sobre meu país,
A fome, o desespero
E o pranto
Que acompanhavam
Negra sobrepeliz.
Veio para punir
Os dissolutos,
Para nos destituir
De todo o luxo
E nos deixar seminus
Nas mãos de mandevilles
E plutocratas vis.
Nova Torre de Londres
Onde somos julgados
Por nefastos arcontes,
E governados
Por traidores e ratos.
Ele que não passa
De savonarolas
E torquemadas,
Ele que não passa
De um grande hipócrita,
Homem sem memória.
Seu julgamento
Só tem, como prova,
O fogo das ordálias.
Não traz justiça
Ou acalento,
Nele, não há
Nenhuma escala ou crítica,
Só uma nova Inquisição
Repleta de loucura
E perseguição,
Fogueira das vaidades
Onde queimam também
A justiça e a verdade,
Terrível investidura
De quem pensa proteger,
Heroico e impoluto,
A nova Jerusalém
De médicis corruptos.
Mas é a sua própria pele,
Repleta do passado,
De ovídios e boccaccios,
De Marranos e hereges,
Que está a combater.
Delírio de um desiderato
Que só nos trouxe
A praça pública
Dos enforcados,
Degenerada República
Da fome e do ódio,
O medo de morrermos
Envenenados
E a crença
Em chifres de unicórnio.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.