#FlautaVertebrada: “Levantaram um muro no meio da ponte. / Ergueram um muro no horizonte. / Bloquearam a passagem. / Obstruíram a passagem. / Cimentaram a paisagem.”

por Andri Carvão
Eu quero construir uma ponte.
Eu preciso construir um muro.
Fora da caixa e dentro da bolha.
Eu vou cruzar a ponte.
Eu vou pular o muro.
Eu tenho que dinamitar a ponte.
Eu tenho que derrubar o muro.
Atravessar a nado.
Sobrevoar até ser alvejado.
Em queda livre eu mergulho e me afogo acorrentado.
Construo. Destruo. Reconstruo. Desconstruo.
Sem destino, sem rumo,
permaneço à margem.
À sombra de uma árvore à beira do rio.
Coragem, covarde! Coragem!
No beiral da ponte precipito no vazio.
Coragem, covarde! Covarde!
A vida é uma só e nós somamos mil.
Um exército de mortos de cada lado da ponte.
Um exército de mortos de cada lado do muro.
Levantaram um muro no meio da ponte.
Ergueram um muro no horizonte.
Bloquearam a passagem.
Obstruíram a passagem.
Cimentaram a paisagem.
Eles e elas constroem pontes.
Elas e eles constroem muros.
E todos nós juntos
construímos e destruímos a todos e tudo.
Eles e elas. Elas e eles.
Em cima da ponte.
Em cima do muro.
O muro rachado, pichado.
E a ponte em ruínas.
Meninos e meninas de braços abertos se equilibram sobre o muro.
No muro de vidro, descalços em cacos de cascos de garrafas verdes.
No muro de arame, de arame farpado eletrificado.
Cemitério do caos.
A ponte não é o arco íris.
Prometem pontes, constroem muros.
Prometem mundos:
trilhas, atalhos, picadas, rumos.
Sonhos e ilusões – efêmera quimera.
O muro de arrimo corrói.
A ponte elevadiça e o destroyer.
O muro do vizinho.
A ponte é o caminho.
Você vai chegar lá
do outro lado
sozinho.
Buraco no muro é degrau.
A ponte do suicida em potencial.
Entre tantos caminhos
– qual?
Pedrada na vidraça.
Telhado de vidro.
Chuva de pedras.
Castelo nas nuvens.
Pedra chanfrada quicando no rio.
Pedra sobre pedra: lápide de mármore.
Anjinho barroco (santo do pau oco) de pedra sabão
fazendo xixi no chafariz embaixo da árvore da salvação.
Rua sem nome.
Beco sem saída.
Rua da amargura.
Estrada de paralelepípedos:
– inconstitucionalissimamente!
Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018], Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] e Dança do fogo dança da chuva [editora Penalux], entre outros. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às terças-feiras.