Parindo na quarentena

De castigo em casa, ultrassom sem acompanhante, compras pela internet, vontade de ir às lojas escolher cada detalhe do quarto, um pouco de medo e insegurança fazem parte da aventura de ser uma gestante em plena epidemia.

Imagem: Shutterstock
uma crônica de Bibi Tavares 

Um ano atrás, se eu estivesse grávida isso seria um dos momentos mais intimidadores da minha vida. Mas eu não estava, então a vida passou como sempre. Hoje, na casa das 20 semanas de gestação e no meio de uma pandemia que vem tirando a vida de centenas de pessoas no mundo todo, a vida não está passando como sempre. Nada foi planejado, mas em algum momento resolvi que estava tudo bem deixar esse pequeno ser se desenvolver dentro de mim. Eu só não esperava que esse momento seria atropelado por uma fodenda epidemia de gripe e que eu, por estar grávida, me encaixaria no grupo de risco. Respirar na porta de casa e ir à padaria se tornou potencialmente letal.

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

Depois de passar semanas tentando zerar as dúvidas sobre em qual posição se deve colocar um bebê para dormir, se eles devem ou não pegar sol, depois de passar tardes fazendo check-list de todos os lugares que eu gostaria de ir para escolher berço, roupa de cama, brinquedos, desfilar com minha imensa barriga de grávida e todas essas pequenas e importantes coisinhas, o cenário apocalíptico de quarentena me quebrou as pernas. 

Leia também:  Como meu filho | por Felipe Mendonça

As lojas estão fechadas e comprar as primeiras roupinhas do seu bebê pela internet não é lá muito animador. O desemprego é o que mais preocupa, a iminente falta de renda no meio de uma gestação é de fazer cair todos os fios de cabelo. O chá de bebê provavelmente não vai acontecer, os encontros com amigos queridos e familiares, menos ainda. Sair de casa se tornou uma festa a que você não quer ir, com open de máscara e álcool em gel. 

Ter uma vida se formando dentro de você enquanto tantas outras estão sendo abruptamente interrompidas por um inimigo invisível é, no mínimo, atemorizante. Colocar um outro ser humano no mundo mesmo em tempos “normais” já é algo complicado. O tipo de sociedade em que vivemos não nos permite viver e dedicar o melhor de nós aos nossos filhos, a rotina do dia-a-dia tem a fama de esvair nossa energia e isso se reflete de forma contínua na vida pessoal. É como se eu tivesse acordado em alguma cena do clássico Zumbilândia. O antagonismo vida e morte nunca esteve tão perto. 

Leia também:  Dona Ilda do Prado Lameu, a Justiceira do Capivari

Ainda faltam longas semanas para o tão esperado dia do parto, mas outras gestantes que já estão tendo que correr para a maternidade estão experimentando bem de pertinho esse contraste. De repente, no meio do dia ou madrugada você precisa se deslocar para o local menos indicado no momento: um hospital. Em geral, maternidades estão dentro de hospitais, mas mesmo que separadas você sabe que a poucos passos de você tem uma boa quantidade de pessoas infectadas e morrendo de Covid-19. O vírus está flutuando no ar e respirar no local errado pode complicar as coisas.

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

Enquanto isso, o direito a acompanhantes está restringido para evitar aglomeração e circulação no local. As pessoas queridas que você desejaria por perto para se sentir mais segura não poderão estar lá nesse momento tão louco. Mesmo depois de ter alta, você precisa ir direto e reto para casa, isso inclui vetar visitas de todos aqueles para quem você queria contar como foi cada minuto de perrengue no intervalo de tempo casa-maternidade-casa. Proteger sua cria se torna uma tarefa mais árdua do que o normal e enquanto a vida lá fora está ameaçada da forma mais escrachada possível, você tem uma vida novinha em folha e que nem entende ainda a cilada em que caiu quando veio parar num mundo tão dinâmico, agressivo e agora doente. 

Um comentário

Deixe uma resposta