“Em um surto de genialidade, coragem e paranoia de pedra, Fábio conseguiu alcançar seu cachimbo que estava no bolso da jaqueta”

por João Teixeira
– PERDEU! PERDEU PORRA!
– Porra, Doutor, tem acerto?
– Acerto de cú é rola, seu nóia safado. Vai pro DP. Vai entrando na viatura aí.
🚓
– Poxa, Doutor, vamos conversar. Posso te oferecer uma quantia boa. Uns 50 barão não te faz feliz não?
– HAHAHAHA ! Eu não quero seu dinheiro não, seu otário. Faz anos que estou tentando prender alguma celebridade aqui na cracolândia. Mas acho que a maioria é esperta o bastante pra mandar alguém vir aqui buscar a droga pra eles. Você é o único burro o suficiente pra vir aqui pessoalmente. Eu tenho informantes em todas as bocas do pedaço. Estou na sua cola há alguns meses. Sobrou pra você. Agora finalmente eu vou ter a visibilidade que eu queria. Estou tentando para deputado estadual pela terceira vez seguida. Já estourei um cativeiro e libertei uma criança sequestrada. Já prendi uma cuidadora de idosos que descia o cacete em um velhinho. Até prendi uma quadrilha que promovia rinhas de cachorro. Porra, aqueles cachorrão bonito, tudo estrupiado, e eu entrando lá de camisa social, óculos ray-ban, dando voz de prisão pros vagabundos e libertando os coitadinhos. Achei que isso ia sensisibilizar o eleitorado, mas não me adiantou de nada. Minha votação foi pífia. Mas agora eu vou dar o que eles querem. Sabe por quê? A única coisa que esse povo inútil se importa é com escândalos envolvendo celebridades. Agora eu ganho. Você é minha passagem pra Câmara. Mas me diz aí. Por que um cara como você vem aqui nessa boca do lixo usar droga? Você come merda? É retardado? Eu não imaginava que você fosse retardado, minha vó tinha todos os seus LPs. E se você quer saber, ela era uma senhorinha muito das espertas para ser fã de um retardado.
– Pô, Doutor, você sabe como é. Sem a adrenalina não tem a mesma graça. Aquele frio na barriga, aquela vontade de cagar. Sabe qual é? Essa porra é Crack, Doutor, não é uma bala Juquinha, que você manda alguém trazer da mercearia quando está com vontade.
– Não sei não. Mas agora tá explicado. Agora sei quem aquela putinha da sua filha Cléo Pires e aquele seu outro filho viadinho puxaram. Papai nóia e os nóinhas. Puta que pariu, deprimente. Vou ligar pro meu assessor de marketing agora mesmo.
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– Alô. Escuta, deu tudo certo, ele tá aqui comigo, esse viadinho. […] Sim, porra! O Fábio Junior, não te falei que era ele, caralho? Liga pro programa do Bacci aí. E pro Geraldo Luís. […] Não, Datena não. Ele teve um filho Nóia, se sensibiliza com essas porras, ele já vai mudar a porra toda de pato pra ganso. Vai falar que é questão de saúde pública. Não, ele você deixa quieto. Fala pro Bacci que eu tô chegando na 3° daqui meia hora. Vou tomar um café aqui na padaria pra dar tempo da equipe de filmagem chegar. Se ele conseguir mandar o comandante Hamilton, maravilha, viu? Fala que a gente vai lembrar dele quando tiver lá dentro. Abraço.
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– Poxa, Doutor. Cem mil! Não faz isso comigo… Vamos conversar… Cento e cinquenta! Duzentos!
O delegado parou a viatura, desceu do carro e entrou na padaria para tomar o seu café expresso, deixando Fábio Jr desolado, aos prantos, trancado dentro do carro. Mas Fábio não queria ver sua reputação ir pela latrina. Ele era muito vaidoso para isso. Preferia a morte. Em um surto de genialidade, coragem e paranoia de pedra, Fábio conseguiu alcançar seu cachimbo que estava no bolso da jaqueta. O doutor, na euforia da prisão, esquecera de revista-lo. Com o cachimbo na boca foi capaz de abrir a fechadura das algemas. Abriu a porta da viatura e sumiu correndo pelas ruas do centro. Tudo isso enquanto o Doutor delegado degustava seu cafezinho.
Provavelmente não será dessa vez que Doutor Dantas sairá Deputado Estadual.