\\•//Os invisíveis//∆\\ | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: “No inverno se lembram de nós e às vezes ganhamos agasalhos e cobertores. / É esta estação do ano que faz uma limpeza nas ruas.”

Imagem: panitanphoto
por Andri Carvão

Eu odeio essa gente podre.
Eu odeio essa gente podre de rica.
Eles têm tudo além da conta e nós não temos nada.
Eles são tudo além da conta e nós não somos nada.
Eles passam pela calçada e nos dão uma moeda, uma migalha, nenhum sorriso de bom dia.
E isso, quando muito.
A sua caridade com as criaturas não vem da bondade do coração, é só uma forma de prestar contas com Deus.
É mais medo de ir pro inferno do que vontade de olhar pro outro.
É uma mescla de pena e nojo o que sentem de nós.
Os pés passam calçados de todos os tipos e há tempos só tenho as solas dos pés engrossadas no asfalto.
Os pés na altura da nossa cara.
Os carrões pra lá e pra cá na avenida movimentada.
Estou anestesiado já, já estou surdo.
Não falo coisa com coisa.
Acho que enlouqueci ou sou o único são.
No inverno se lembram de nós e às vezes ganhamos agasalhos e cobertores.
É esta estação do ano que faz uma limpeza nas ruas.
É quando muitos de nós, os mais adoentados, se vão.
Mas eu tenho sangue quente regado na água ardente.
Posso ser invisível, posso estar vulnerável, mas sou macaco velho, imprestável, sou macaco velho.
Na nossa ceia repartimos o pão e a cachaça.
Nossos cães nos guardam, pelo menos nos avisam antes dos maus tratos.

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018] e Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] são as suas mais recentes publicações.

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