O presidente incitou seus apoiadores a invadirem hospitais com pacientes de Covid-19 e assim eles fizeram. Isso é o pior que poderia acontecer? É claro que não.

por Fucking Leo
Vinte e oito de outubro de dois mil e dezoito. Largo da Batata, São Paulo. Combinei de encontrar um amigo pra acompanhar o resultado da apuração do segundo turno das eleições presidenciais. Já imaginava o que daria. Achava que imaginava o que daria. Fui acompanhar no Largo imaginando que sabia o que daria. Vai dar merda. Vai dar merda. Esse era o clima na mesa em que eu tava, esse era o clima por todo o Largo da Batata. Deu merda. Até hoje lembro do olhar marejado e desolado de quem tava por ali. Lembro até hoje que um desconhecido me ofereceu ombro depois da gente se entreolhar com os mesmos olhos marejados.
Todo mundo chorava no seu canto porque imaginava que já tinha acontecido o pior. Jair Bolsonaro era o novo presidente do Brasil e todo mundo imaginava que aquilo ali era a pior merda que poderia acontecer. Todo mundo ali pensava que sabia. Se qualquer um ali soubesse de verdade… Era só o começo.
Corta. Onze de junho de dois mil e vinte. Bolsonaro incita sua base eleitoral a invadir hospitais pra filmar leitos. Enquanto mais de quarenta mil famílias choram a perda de seus entes queridos, Bolsonaro incita a sua base a invadir hospitais pra filmar leitos durante a pior crise de saúde dos últimos cinquenta anos. Arranja jeito de entrar e filmar. Disse Bolsonaro. Vou me corrigir aqui. Bolsonaro não disse isso para sua base. Bolsonaro disse isso para sua seita. Deliberadamente ele incitou sua seita a invadir hospitais que abrigam pessoas infectadas por Covid-19. O presidente eleito em dois mil e dezoito deu essa ordem em dois mil e vinte.
Em dois mil e dezoito, a gente imaginava o que daria. Pobre da gente. Mesmo quem esperava a pior merda de todas não poderia imaginar uma merda desse tamanho. Nem o mais incauto dos pessimistas poderia imaginar uma merda desse tamanho. Qual tamanho? Sem tamanho. É uma merda sem tamanho.
Dia treze de junho de dois mil e vinte. Publiquei o link de uma matéria do jornal O Globo na minha página pessoal do Facebook. O título era: Grupo chuta portas e derruba computadores em alas de pacientes com Covid-19 no Ronaldo Gazolla. Um dia depois do presidente incitar a invasão de hospitais. No meu próprio Facebook, um apoiador do presidente surgiu do nada a fazer troça. Minutos depois, uma ameaça desse mesmo apoiador me chega por WhatsApp. Vejam bem. O presidente incitou a invasão de hospitais com doentes de um vírus altamente transmissível, eu compartilhei a notícia e fui ameaçado em seguida. Eu imaginava que não poderia haver merda maior que o presidente incitar a invasão de leitos de hospitais doentes com um vírus altamente transmissível. Mas havia. Galera, não tem mais como piorar. É o que a gente pensa. Nessa hora, o apoiador do Bolsonaro diz: não tem? Segura aqui meu copo de cloroquina.
Piora. Vivemos uma comunhão de infinitos piores infinitos. O presidente é um pior infinito. A seita é um pior infinito. Vejam bem. Fui intimidado por compartilhar uma notícia de um hospital sendo invadido após o presidente da república incentivar a invasão de hospitais com doentes de um vírus letal e contagioso. Galera, não tem mesmo como piorar depois dessa. O que pode ser pior do que isso? Não nos enganemos. Existe o pior infinito do presidente. Existe o pior infinito dos apoiadores da seita do presidente. E existe um terceiro poder dos piores infinitos: os parlamentares apoiadores do presidente.
Quinze de junho de dois mil e quinze, Espírito Santo. O ministério público recebe uma notícia crime. Parlamentares apoiadores do presidente Bolsonaro invadiram o Hospital Dório Silva com o objetivo de filmar leitos. Parlamentares invadindo leitos de hospitais durante uma pandemia incentivados pelo presidente. No governo Bolsonaro, os três poderes são outros. Nada de legislativo, nada de judiciário, nada de executivo. Um poder geral impera. O poder de sempre poder ser pior. Esse poder é desdobrado em três outros. É como se o poder de sempre ser pior fosse a Constituição Federal do bolsonarismo.
Somos regidos por uma eterna sensação de que tudo vai piorar. Voltemos aos três poderes do bolsonarismo. Número um: o presidente vai piorar tudo. Número dois: os apoiadores do presidente vão piorar tudo. Número três: os parlamentares apoiadores do presidente vão piorar tudo. Essa é a única certeza de hoje.
Não é possível que exista algo pior que Bolsonaro ser presidente do Brasil. Estamos novamente em dois mil e dezoito, estamos nos minutos seguintes após a confirmação do resultado do segundo turno. Volto pra mesa com meu amigo e me sento com as amigas dele. Ninguém é capaz de dizer nada. Um silêncio sepulcral domina a mesa que abriga uma dezena de pares de olhos vermelhos de tanto chorar. Ninguém é capaz de dizer nada. Ninguém precisou dizer nada. O idioma usado ali era a desolação. Conversamos sem dizer nada crentes que estávamos todos cientes da merda que tinha acontecido.
Nada pode ser pior do que Bolsonaro ter sido eleito. Todo o Largo da Batata lacrimejou com essa sensação em dois mil e dezoito. Tenho certeza que foi a pior sensação da vida de todo mundo que tava ali. Desde então, todo dia é a pior sensação de todo mundo que vive esse governo.
Galera, não dá pra piorar. O presidente surge e diz: ah não? Segura aqui meu shot de cloroquina. Galera, não dá pra piorar depois da última merda do presidente. Os apoiadores surgem: ah não? E assim seguimos numa cadeia de piora diária. O que mais dá pra piorar? Dá até medo de perguntar.
Dá até medo de imaginar. Mas a gente sabe: não vai parar de piorar. O pior do bolsonarismo é infinito. Quantas vezes vocês ouviram dizer que o presidente passou dos limites? Quantas notas de repúdio já foram escritas? Dessa vez, a gente já sabe que não sabe o que imaginar.
Somos regidos pela certeza de que tudo vai piorar. Temos consciência de que o pior não tem limites. É horrível incitar a invasão de hospitais? É. Na sequência, um membro da seita te ameaça só por compartilhar essa notícia. É horrível ser ameaçado por isso? É. Na sequência, parlamentares invadem hospitais.
A gente tinha certeza que nada poderia ser pior que um Brasil presidido por Bolsonaro. Na sequência, temos um Brasil carcomido por uma pandemia e presidido por Bolsonaro. Dois mil e dezoito: o Largo da Batata chorava. Dois mil e vinte: mais de quarenta e quatro mil famílias choram seus mortos na pandemia.
E sabem o que é o pior?
É que isso
ainda
não é
o
pior.