O homem do guarda-chuva | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: “Como há uma goteira no teto do ônibus / pingando insistentemente na sua careca, / o homem abre o guarda-chuva”

Imagem: Engin_Akyurt
por Andri Carvão

O céu desaba lá fora.
O homem paga a passagem
e passa a catraca.
Ele é o único passageiro nesta
que é a última viagem
da linha.
Balançando pra cá e pra lá
entre ruas sinuosas,
apenas ele, o motorista e o cobrador
madrugada adentro.
O homem escolhe o banco alto,
o último antes da porta traseira,
lado direito,
o assento do lado da janela.
Como há uma goteira no teto do ônibus
pingando insistentemente na sua careca,
o homem abre o guarda-chuva,
talvez em protesto.
O cobrador diz “senhor, troca de lugar,
tanto lugar vago aí”,
mas o homem do guarda-chuva
finge que não é com ele,
embora seja o único passageiro
presente ali.
A chuva não é passageira,
ela só aumenta,
e a goteira se torna ruidosa
e passa a chover sobre o guarda-chuva
do homem do guarda-chuva.
E o cobrador
incomodado com a cena
“senhor, senta em outro lugar,
tá molhando tudo aí”,
mas dessa vez
o homem do guarda-chuva,
firme em suas convicções,
não se faz de rogado
e responde à altura ao cobrador
com meia dúzia de palavrões
cabeludos e cabulosos,
uma mão no guarda-chuva
e a outra de punho cerrado
pronto pra luta.
“Eu paguei,
eu sento onde eu quiser”,
resmunga o cidadão de bem
sentado sobre o próprio rabo.

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018], Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] e Dança do fogo dança da chuva [editora Penalux], entre outros. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às terças-feiras.

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