O fiote de sapainho | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: “O fiote de sapainho se espatifou no chão, / na rampa do estacionamento. / Seus olhos esbugalholhos esbugalhados”

Imagem: LIAN30 / Pixabay
por Andri Carvão

O fiote de sapainho caiu no quintal.
Seu corpinho ainda sem penas e de olhinhos saltados.
Provavelmente se desprendeu das garras de uma águia ou gavião.

O fiote de sapainho se espatifou no chão,
na rampa do estacionamento.
Seus olhos esbugalholhos esbugalhados.

O fiote de sapainho não chegou a criar asas,
não aprendeu a voar
e por isso se esborrachou.
O fiote de sapainho nem bem se cobriu de uma bela plumagem
ou brindou o ar com o seu canto.
O fiote de sapainho virou uma gosma nojenta.

O homi subiu o portão com a ajuda de um ferro.
A mulé precisava ir ao supermercado.
A mulé foi dá a ré pra tirar o carro da garagem
e passou com o pneu por cima do corpinho do fiote de sapainho,
porque estava no meio do caminho
e fora do campo de visão do seu retrovisor.
O homi viu a cena e ficou de contar.
A mulé voltou do supermercado
e passou por cima de novo.
O homi viu a cena e esqueceu de contar.

O homi subiu o portão usando o mesmo pedaço de ferro.
A mulé queria ir ao shopping.
A mulé foi dá a ré pra tirar o carro da garagem
e passou com o mesmo pneu de novo
por cima do corpinho do fiote de sapainho,
porque afinal de contas estava no meio do caminho, oras bolas,
e fora do campo de visão do seu retrovisor.
O homi reviu a cena e deixou pra lá.
A mulé voltou do shopping cheia de sacolas
e passou por cima outra vez.
O homi finalmente contou pra mulé
e apontou.
A mulé fez cara de filme de terror.

As formigas deram cria em cima do fiote de sapainho.
Como ele estava bem no meio do caminho foi alvo do pneu do carro uma série de vezes,
reiteradas vezes.

Fez sol, choveu e o tempo passou.

Parece que o fiote de sapainho nasceu com a pleura descoberta
e virada pra lua.

Primavera, verão, outono, Inferno.
O fiote de sapainho não chegou a virar sapainho não.
O fiote de sapainho virou uma gosma nojenta,
virou um tapetinho e depois virou chão.

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018], Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] e Dança do fogo dança da chuva [editora Penalux], entre outros. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às terças-feiras.

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