No fim | Felipe Mendonça

#FlautaVertebrada: “No fim, o que nos resta / Senão as frestas / Por onde víamos / O incomensurável desfile / De nossos ardores e metas”

Imagem: Kai Pilger
por Felipe Mendonça

No fim, o que nos resta?
A fidelidade do cão
A abanar o rabo
Entre bancos e cadeiras
Mudos após a festa?
Amplo espaço vazio
Sem bancos ou cadeiras,
Só com o cão,
Gárgula a contemplar
A última laje do poeta?
No fim, o que nos resta
Senão as frestas
Por onde víamos
O incomensurável desfile
De nossos ardores e metas,
De nossos beijos e desejos,
Por que hoje
Os já não vemos mais,
Os já não temos mais?
Cobriu-as por completa a hera,
Devorou-os o colmilho do tempo,
Essa fera!
Agora, tudo calado,
Sem riso, sem pranto,
Jardim morto sem giestas,
Fruto maduro no chão
Sem ninguém para comê-lo,
Folhas mortas, dispersas,
Manto enlutado da terra.
No fim, o que nos resta?
Pouca coisa, alguém
Que, às pressas,
Nos faz uma prece!
No fim, o que nos resta?
Pouca coisa
Sem qualquer senso,
Silêncio – canto sem gesta!
O fruto, as folhas,
O cão, o chão –
Suma, súmula
De tudo:
Urna de treva.

 

Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.

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