Mãos (para Victor Jara) | por Deborah Dornellas

#FlautaVertebrada: “minhas mãos mostram o que são: / às vezes cabem em si / às vezes não”

Imagem: Milan Ilic
por Deborah Dornellas

minhas mãos são mais escuras
do que a carne entre as minhas pernas
e mais ásperas e vincadas

na ponta dos dedos há unhas ressecadas
e a pele se enruga em cada falange
formando círculos concêntricos

minhas mãos mostram o que são:
às vezes cabem em si
às vezes não

quando recebem
um anel ou uma flor
desenham um gesto e agradecem

acostumaram-se ao calor do fogo
e ao frio da água:
não se queimam nem se dissolvem
movem-se

fazem música carinho amor comida
batem apanham escondem revelam
lavam a louça a pia a roupa o corpo
unidas em concha, enxáguam o rosto
separadas, enxugam o pranto

tenho pernas firmes, poesia nas artérias
e todo sangue que posso carregar,
mas mis manos son lo único que tengo

 

Deborah Dornellas, carioca criada em Brasília, vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e aprendiz de artista plástica. Por cima do mar (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o Prêmio Literário Casa de las Américas 2019, na categoria “Literatura Brasileira”.

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