#FlautaVertebrada: “chove uma chuva de espanto sobre o brasil, / enquanto se espera a pesquisa da vacina”

por Helena Arruda
chove muito e ailton krenak diz
ao homem branco que a natureza
é uma ideia, porque contém todos
os seus opostos.
ele sabe exatamente “onde a terra descansa”,
mas agora ela está cansada, ele diz.
krenak sabe o que não é a natureza, portanto.
não é natural o que o homem branco propõe
na sua ânsia capitalista.
chove uma chuva de espanto sobre o brasil,
enquanto se espera a pesquisa da vacina,
a cura do tal vírus,
a erradicação do sarampo,
o respeito aos donos ancestrais dessa terra.
chove uma chuva de medo, de pânico,
enquanto assassinam milhares
de pobres empurrados para as encostas
do país afora, para as margens dos rios
brasileiros.
chove uma chuva ácida, de pavor,
porque ela queima as esperanças,
o corpo e as retinas.
chove sem cessar.
um dia a chuva cessa.
a vida cessa.
mas a ideia da natureza permanece.
permanece.
Helena Arruda nasceu em Petrópolis. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (2020), Editora Patuá; Suas publicações mais recentes constam em Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019), Ato Poético (Oficina Raquel, 2020) e Ruínas (Patuá, 2020). Escreve n’O Partisano quinzenalmente às quintas-feiras.