Identidade secreta | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: as agruras de um poeta em busca de si mesmo depois de experimentar tudo quanto é vertente em sua atividade quase clandestina

Imagem: ArtMari
por Andri Carvão

1.
Na minha família
ninguém liga.
No meu trabalho
ninguém sabe.
Basta que eu entre
na cabine telefônica
pra que eu saia
com a cueca
pro lado de fora
da calça. Mas se me
apresentam kriptonita
eu perco a força.
Identidade secreta:
poeta! Na minha
família ninguém liga.
No meu trabalho
ninguém sabe.

Na minha família
desempenho o papel
de pai, de filho,
de espírito santo.
No meu trabalho
desempenho o papel
que me cabe.
Na minha família
ninguém liga.
No meu trabalho
ninguém sabe.
A minha alma
expresso em versos.

2.
Já fui um poeta
pueril, um poeta
deprê, blasé, demodé.
Já fui um poeta
casto, porraloca,
um poeta zen.
Já fui um poeta
idílico, lírico,
etílico. Já fui
um poeta maldito,
marginal, elitista.
Já fui um poeta
beat, punk, gótico,
pichador, skatista.
Já fui um poeta
periférico,
verborrágico,
panfletário.
Já fui um poeta
inédito, impublicável.
Já fui um poeta
concreto, subjetivo,
de fôlego, o último
dos românticos.
Já fui um poeta
conciso, com
bloqueio criativo,
antipoético, um
sopro. Já fui um
poeta isso e aquilo
e aquilo outro.
Já fui poeta. Hoje
sou um palhaço.

3.
Eu sou melhor
poeta do que
filho. Eu sou
melhor poeta
do que marido.
Eu sou melhor
poeta do que
pai. Eu sou
melhor poeta do
que amigo.
Eu sou melhor
poeta do que
funcionário. E
eu não sou poeta.

4.
Quem sou eu?
Quem eu sou?
Eu sou quem?
Onde estou?

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018] e Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] são as suas mais recentes publicações.

Um comentário

  1. Andri! Sou um poeta sem palavras pra comentar e celebrar o teu talento materializado neste poema. Somos clowns, somos nuvens, somos água, somos só aquilo que ainda não somos mas que sabemos que o seremos um dia. Por isso, não somos poetas, somos bichos que se reiventam! Saúde, irmão! A ti e à tua arte!

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