Guömundsdòttir | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: “Guömundsdòttir não cabe em si / por isso se lacera e se / desdobra em um duplo de Guömundsdòttir”

Imagem: T.Thinnapat
por Andri Carvão

na praia entre as pedras
Guömundsdòttir canta um canto triste e visceral
sua voz singular de timbres incomuns
textura vocal límpida e cristalina
voz de peito médio-grave cavernosa
linguagem própria
Guömundsdòttir voz e visual
seus parangolés multicolores esvoaçantes ao vento
sua expressão corporal
seu magnetismo no olhar
de seu corpo emana a música das esferas
e no horizonte distante gaivotas sobrevoam o farol

Guömundsdòttir não cabe em si
por isso se lacera e se
desdobra em um duplo de Guömundsdòttir
como um espelho do sol a refletir
nas águas em círculos concêntricos a reverberar
numa divisão tripartite de Guömundsdòttir
uma profusão de vozes sobrepostas como o zoar
de uma nuvem de insetos
a domar e a dominar mentes humanas
nossas almas mundanas e capturá-las
para o interior de si

imerso no alagado
somos conduzidos pelas mãos de Guömundsdòttir
da lama da terra rachada
ao buraco da cratera da gruta
no centro do túnel que se abre
no coração das trevas e somos
deixados sós ali
cravados
petrificados
largados lá
de um lado o lado sombrio
do lado oposto o lado iluminado
o lado iluminado nos chama e pensamos
em correr até ele o mais rápido possível
o mais rápido que pudermos
mas não
no lado sombrio uma horda invisível nos observa
qualquer
passo em falso
respiração opressa
movimento brusco
pulsação
por menor que seja
é um belo motivo para o ataque
por isso não nos movemos
não não nos atrevemos
estáticos e elétricos
hipnotizados pelo canto gutural de Guömundsdòttir

Guömundsdòttir
some e reaparece
some e desaparece
pisca na nossa frente
grita e silencia por SOS
chama e se distancia
nos envolve nos abraça
nos acolhe
nos toca depois foge
se encolhe e explode

a gruta é o canal da laringe de Guömundsdòttir
escorregamos como num tobogã língua adentro
que nos conduz da sua voz direto ao seu coração
e de lá até o útero
origem do homem
origem do fruto
origem do mundo

e então renascemos
revigorados
envoltos na placenta do fundo do mar
rochas flutuantes como águas vivas medusas
ilhas em formação
Guömundsdòttir
vulva voadora vulva sonora
que vibra e nos olha
G I G A N T E
que gesticula e ejacula vida verdejante

você me lava feito um vulcão

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018], Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] e Dança do fogo dança da chuva [editora Penalux], entre outros. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às terças-feiras.

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