Estamos vestidos com as roupas e as armas de George

A rebelião por conta do assassinato de George Floyd é uma luta que tende a ultrapassar as fronteiras dos EUA, afinal, o mundo inteiro tem o seu pescoço esmagado contra o chão duro da opressão

Imagem: Lorie Shaull
por Alexandre Flach

Mãos no bolso e ligeiramente entediado, assim concentrava-se o terrorista ao executar o protocolo de esmagamento de traqueia no asfalto. Habituado, ignorava o apelo: “não consigo respirar”. Mãos nas costas, algemado, rendido, de bruços no chão de Minneapolis, um negro a mais no mundo suplicando pelo direito de viver. Ok. Esses negros reclamam mesmo.

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O celular na mão de uma negra distraía um pouco o policial, que apenas cumpria seu dever. Preocupação pequena. Inofensiva. Não havia risco para que Derek Chauvin pudesse se manter por quase dez minutos sobre a musculatura rígida de George Floyd. Venceria, sem muito esforço, a teimosa resistência daquele preto que ainda se iludia em sair vivo da ação do policial.

E assim Darnella Frazier registrou para o mundo o assassinato de “Big Floyd” – o “imponente e superdoce Gentle Giant”, como lhe consideravam os colegas de trabalho –  que foi assassinado pela suposta existência de uma nota falsa de vinte dólares entre as que usava para fazer compras em uma loja.

Imagem: Reprodução

Corajosa, jogou na rede a cara lavada do policial Chauvin, e foi desta forma que, mais uma vez, o povo percebeu a verdade que sempre simbolizaram as listras paralelas daquela bandeira tão hasteada nas casas de respeito de Minneapolis: lado a lado, a opressão branca e o sangue vermelho seguem unidos para produzir o império mais odiado do planeta Terra.

O ódio levantou a sua razão, como um rastro de pólvora

O ódio iluminou as mentes e as luzes da razão popular começaram na noite daquele mesmo dia o seu trabalho, tocando fogo e destruindo a delegacia de polícia onde se escondiam outros ratos da farda azul engomadinha. 

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Logo pegaram gosto na coisa e outra delegacia foi depredada, queimada, suprimida. Os milicianos-policiais, logo ficaram de joelhos, mas agora colocados de quatro pelo povo. E o Estado burguês, em desespero, tenta fechar o regime com toques de recolher e convocação da guarda-nacional. 

Em vão. No comércio, o povo retoma de lojas e supermercados o que a sua mão produziu e lhes foi retirado pela exploração nossa de cada dia, compartilhando os produtos expropriados com quem precisasse, nos locais de protesto. Mas em “propriedade afro-americana” ninguém põe um dedo. É bom que se diga: nossos camaradas do norte sabem bem quem é o inimigo.

Tanto sabem que, logo no final do primeiro dia de rebelião, a festa do povo mostra que não há ilusão entre os companheiros do norte: a luta não é só de uma raça, é principalmente de classe. E o banco Wells Fargo brilha em enorme fogueira, com todas as honras, pompa e circunstância devidas ao capital assassino.

Nova tentativa do toque de recolher ridículo e agora montam-se barricadas, lançam-se projéteis caseiros nas forças da repressão e multidões espalham-se pelos bairros de maioria branca para levar o recado aos covardes do leite azedo: “Vidas Negras Importam” e a força de repressão da burguesia não é nada quando milhões decidem entrar em luta.

“Eles são mais do que nós” – Tim Walz, governador de Minnesota

Sim, são muito mais! Em poucas horas viaturas, bancos, delegacias e ruas incendeiam-se por todo o país. A imprensa vendida da CNN, em Atlanta, brilha com o fogo da rebelião. Porretes e fogo, em Portland, também são as vozes da razão a demonstrar todo o respeito merecido pela Justiça mais encarceradora do mundo. O povo luta contra a asfixia da burguesia imperialista, com fogo e violência, em Seattle, Los Angeles, Chicago, Cleveland, Dallas, Nova York, Atlanta e mais 30 cidades dos EUA. 

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Imagem: Redfish

Em Washington, o povo começa a descobrir os caminhos que um dia o levará para o interior da Casa Branca. Derrubadas as primeiras barreiras, a burguesia ainda consegue se segurar na marra. Repressão brutal do governo arauto da democracia. O mesmo que se diz contra essa gente “antifascista”.

Canadá, Inglaterra, Alemanha, Itália, França saem às ruas para dizer que “vidas negras importam” no mundo inteiro e não é só nos EUA. O povo está cansado dessa mesma asfixia que matou o Big Floyd. “Sem justiça, sem paz”, “silêncio é violência”, “para quem você vai ligar quando a assassina é a polícia?”. A guerra é do mundo.

Os caminhos da rebelião popular nos EUA

E a rebelião que incendiou delegacias de polícia e viaturas, invadindo e destruindo repartições da Justiça Opressora Norte-Americana, e até mesmo tentou abrir caminho para tomar a Casa Branca, segue firme atraindo esperanças, gerando empatia, cativando o ódio do oprimido contra o onipresente opressor. E as caras pálidas, hipócritas e covardes da burguesia mundial perdem o sono e tremem de medo com o momento histórico em que a América, e quiçá o mundo inteiro, poderá “voltar” a ser grande outra vez. Ou… poderá ser de fato grande, pela primeira vez?

Certo é que bem debaixo do nariz podre de Trump, Bolsonaro, Angela Merkel, Macron e Boris Johnson, jagunços dos verdadeiros donos do mundo, o povo recorda  antigas lições das gerações de luta das décadas e séculos passados e lembra que não basta levantar cartazes, punhos e palavras de ordem. A violência é a única língua dos opressores e só pela força é possível redimir o sangue negro, moreno, latino, muçulmano, brasileiro, iraquiano, africano, das mulheres, operários, favelados, índios, bilhões de oprimidos no mundo inteiro.

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E nada será como antes? Ninguém sabe. O que sabemos é que estamos aprendendo, e aprendendo rápido, que essa luta não é só de George Floyd ou do povo dos EUA. Estamos vendo que é o mundo inteiro que hoje tem o seu pescoço esmagado contra o chão duro da opressão pelo poder covarde do joelho da maior organização terrorista da Terra: a meia dúzia de burguesões, ricaços, assassinos, bandidos brancos, “elite” fascista, não só dos EUA, mas de todos os países capitalistas. 

Seja através do Pentágono, de mercenários disfarçados na Venezuela, golpistas engravatados no Brasil, estejam suas mãos frias na CIA, FBI, Interpol, ou mesmo na morte cirúrgica e fria de drones, na clareza solar do arsenal de bombas atômicas, ou na ponta do fuzil da PM brasileira, o mundo aprende hoje que todos, sem exceção, são reféns mantidos no cativeiro da mesma asfixia covarde que pesou sobre o pescoço de George Floyd.

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E se ainda não estiver na hora de uma grande rebelião mundial, é certo que ela está chegando. E rápido.

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