Dona Ilda do Prado Lameu, a Justiceira do Capivari

Numa região desassistida por absolutamente todo e qualquer serviço básico, existir é uma linha tênue e sendo mulher essa linha é ainda mais fina

Imagem: reprodução
por Vinícius Carvalho
Não deveria ser um orgulho. Bom mesmo deve ser viver num bairro de IDH belga ou canadense, como os iluministas do garantismo brasileiro querem nos convencer. Mas numa região desassistida por absolutamente todo e qualquer serviço básico, onde existir é uma linha tênue, e quando se é mulher essa linha é ainda mais fina. Aplicar a foiçada em estuprador é o mais alto de progressismo e primeiro-mundismo que podemos acessar.
Zona Rural da Baixada Fluminense, mais precisamente da minha quente e pachorrenta Duque de Caxias, onde as temperaturas passam facilmente os 40 graus e a mistura de poeira e lama se confundiriam facilmente com o realismo mágico de Gabriel García Márquez.
Para acabar de acertar, neste cenário, esta região no decorrer dos anos 1980 era tomada pela ação dos odiosos Grupos de Extermínio, os famosos carros da morte, que levavam o terror por onde passavam, matavam mais inocentes que ladrões de galinha. Tais grupos “vendiam” segurança para as comunidades locais. Mas que tipo de segurança tinha uma menina voltando do trabalho à noite, na escuridão?
Neste recorte temporal, uma menina de 8 anos de idade, Priscila Silva, desaparece. O pai, em desespero, pede ajuda da polícia, que dá de ombros. Mas, ao pedir ajuda de Dona Ilda, ela se compadece, pois era mulher e tinha filha também, se junta com outras mulheres e armadas de foices e facões começam a buscar por Priscila.
No meio da mata, próximo à um valão, o corpo da menina é encontrado com marcas de violência sexual.
Porém este era apenas mais um caso de estupros e desaparecimentos corriqueiros da região.
Após este ocorrido, Dona Ilda organizou as mulheres do bairro, e passaram a ir levar e buscar em grupo as meninas na escola e pontos de ônibus. Nos momentos vagos, elas, com as mesmas foices, limpavam os brejos e matas da região, pois acreditavam que assim dificultariam o trabalho dos estupradores.

O maior orgulho da história de Duque de Caxias

A cada desaparecimento, as senhoras ficavam à espreita das conversas de botequim, das risadas e deboches dos homens, até que conseguiam chegar no estuprador. Até que os casos de estupros e desaparecimentos de meninas sumiu na região.
Em relato, Dona Ildacilde falou: “Se acontece alguma coisa a gente logo aparece. UMA LIGA PRA OUTRA, REÚNE, JUNTA TUDO, FOICE, MACHADO, ENXADA E VAI ATRÁS, PRENDE E TORTURA ATÉ MATÁ. ELES PERGUNTA SE MATA, EU FALO QUE MATA. SÓ NÃO FALO QUEM E QUANTO JÁ MATAMO. O trabalho das Justiceiras depois foi esse: levar criança pra escola, limpar o matagal. Agora não que está tudo calmo e a gente não tá vendo nada porque é férias nos colégio. Mas tá voltando e quando volta você pode vim aqui e vai ver duas, três mulher nesses mato limpando mas elas tão mais mesmo é vigiando as criança e vendo se tem estranho na área.”
Elas permaneceram até o final dos anos 90.
Não era comum quando os ônibus que me levavam até o 4° distrito, para a casa de parentes, ver um grupo, sempre juntas, de 10 a 15 mulheres, andando na beira da estrada com os rostos cobertos por panos e camisetas, para não serem reconhecidas. Eram as Justiceiras do Capivari.
Era eu novinho, não sentia medo, pelo contrário, sentia era segurança mesmo vendo só de longe.

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