#FlautaVertebrada: “Volvo para um mar de levezas que garoam e coo o café que me acorda para outras visões”

por Sergio Ravi Rocha
(Você ainda fuma seu primeiro cigarro logo ao acordar?)
Puxo as cortinas como sempre e como sempre revisito palmo a palmo o plano emoldurado da janela. Abro-me para as cores repetidas de outro dia tão igual, tão calorento quanto qualquer outro que eu tenha vivido por dentro, por entre todos os vazios malcheirosos de seus mortos incontáveis, rente à falta de habilidade daqueles que me esbarram desconhecidos, mas que se comovem caso não consiga espiar pela moldura mais uma fresca sensação de dia seguinte, recomeço zumbido nos sons de um sempre matinal entre preguiças e saudades. Volvo para um mar de levezas que garoam e coo o café que me acorda para outras visões; são calmarias que acalanto sozinha sentada a um dos banquinhos da cozinha e que devoro depois. Também me derramo no banho e transpiro tantos planos consiga até me arrepender pela demora; não me culpo muito tempo, mas o suficiente. Nem se trata de uma dor aos domingos ou em plena segunda-feira de sol derretido por todos os poros, nem de espezinhar o resto dos dias da semana como baganas que degustei no escuro e depois apaguei descuidada. Não se trata mesmo de acordar com os pulsos cortados e constatar que lá fora as pessoas continuam sorrindo maquinais e que eu também lhes sorrio como que arrependida e sem tempo, como se não tivesse notícias de quem um dia puxou as cortinas como sempre e como sempre me desejou bom dia.
Sergio Ravi Rocha, paulistano dos altos de Santana, escritor, poeta, jornalista (de)formado pela Filosofia, mas principalmente pai da Mariana, Fernanda, Giovana e avô do Ravi. Tem dois livros publicados, “Terceiro fragmento”, J. Andrade Gráfica e Editora, 2012, Aracaju/Se e “Um poema depois da chuva”, Rusvel-Triver Studio e Editora, 2018, São Paulo/SP. Vem participando de várias antologias impressas e virtuais. Organiza o Sarau Santa Sede, ministra oficinas de criação literária e é editor na Casa Editorial Livrará. Escreve n’O Partisano quinzenalmente aos sábados.