Cores, contornos e outros mundos | por Sergio Rocha

#FlautaVertebrada: “Ontem, todos os sonhos tinham cor e se revelavam à cabeceira, traziam corpos de uma doce agonia e manhãs retocadas de sol”

Imagem: Benjavisa Ruangvaree Art
por Sergio Rocha

De ontem, lembro de um chão recortado e dos rastros deixados sem intenção, lembro de alguma precisão em retalhos e caminhos quase desenhados sem ter para aonde ir. De ontem, lembro de uma profundidade cega, um tormento de cavalos à baia e garotos entrincheirados por sob saias frisadas e presenças quase tão frias quanto mortas e mesmo sem demora, a vida parecia um motim levado a cabo nas naus levadas por nossos sexos.

De ontem, lembro de um sorriso calado por sob o abajur da sala, uma incipiência pouco abandonada e um minuto de garantias escancaradas. Lembro das canções de Marvin Gaye e quase saberia cantá-las, mas ontem mais saberia já que hoje sou velho demais. Ontem, todos os sonhos tinham cor e se revelavam à cabeceira, traziam corpos de uma doce agonia e manhãs retocadas de sol. Lembro que minhas aventuras tinham tons de ventania e que minhas romarias prescindiam de deus, já que sê-lo era um meio de prosseguir.

De ontem também trago cartões das cercanias e ilusões nuas de quem não se vê; de ontem ainda um escuro de cravos, rosas e juras, e outros lados proibidos em cujo frescor habitavam as tardes e as ninfetas e a suspeita de que sob tão pouca vigilância era Janis e não Maria quem nos paria pelas bandas de lá.

Sergio Rocha, paulistano, escritor, poeta, jornalista (de)formado pela Filosofia. Tem dois livros publicados, “Terceiro fragmento”, J. Andrade Gráfica e Editora, 2012, Aracaju/Se e “Um poema depois da chuva”, Rusvel-Triver Studio e Editora, 2018, São Paulo/SP. Vem participando de várias antologias impressas e virtuais. Organiza o Sarau Santa Sede, ministra oficinas de criação literária e é editor na Casa Editorial Livrará.

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