Cloaca | por Felipe Mendonça

#FlautaVertebrada: “Cloaca, ratos / A roerem-me as vestes, / As virtudes e a castidade, / Boca, olor, / Enjoo e fedor / Da minha cidade”

Imagem: NickyPe
por Felipe Mendonça

Cloaca,
Caldo putrefato,
Amontoado de caçambas
E de lixo
Sob viadutos e marquises.

Cloaca,
Gentes do lixo,
Lixo de gente,
Detritos sociais
Ou simplesmente lixo,
Hálito, rio, autofagia
A desaguar sua língua negra
Na minha.

Cloaca, ratos
A roerem-me as vestes,
As virtudes e a castidade,
Boca, olor,
Enjoo e fedor
Da minha cidade.

Cloaca, doença,
Mordaça e montanha
Onde busco um pouco de ar,
Tarde, fadiga e suor
A trazerem o cheiro
Do óleo e do peixe morto.

Cloaca,
Brisa marinha
Que nada alivia,
Sol febril, ônibus
Ônibus, ônibus,
Ônibus, ônibus
E a cabeça que pesa
E lateja
Na sarjeta.

Cloaca,
Duas doses de álcool
Antes do vômito,
Aspirinas e bicarbonato
Para esquecermos
Que temos estômago.

Cloaca, degeto,
Fossa comum,
Polução noturna
E fétidas galerias
A desguarem na enseada
Do meu coração.

Cloaca, eu te amo!

 

Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-f

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