Círculos | por Sergio Rocha

#FlautaVertebrada: “Fico até com vergonha quando você volta e me convence; depois quando me lavo, sinto que com a água não é você quem escorre, mas eu mesma”

Imagem: Katyau
por Sergio Rocha

Então você volta.
Você volta sempre.
Volta com o rabo entre as pernas na esperança de que eu abra as minhas e me desampare inteira agarrada às cordas que me lanças. Tem sido assim desde sempre e sempre é tanto tempo que a impressão que tenho é a de que sempre andamos juntos e que isso tudo entre nós é quase sujo e incestuoso. Fico até com vergonha quando você volta e me convence; depois quando me lavo, sinto que com a água não é você quem escorre, mas eu mesma. Jurei que não aconteceria outra vez, jurei que sua expressão de anjo não me convenceria e que daquela vez não terminaríamos pelos cantos meio nus meio vestidos, cambaleando um sobre o outro e de olho na porta já que nunca se sabe. Daquela vez você voltaria da porta e eu não me envergonharia depois. Daquela vez eu te olharia de longe, tão longe que não conseguiria reconhecê-lo e então talvez eu me apaixonasse por você e você seria alguém totalmente novo, um punhado de segredos que eu não decifraria, pois nunca te conheceria assim. Quando você estivesse distante, bem distante, eu gritaria o teu nome que sequer saberia ao certo, mas gritaria com a agonia de quem vê alguém que talvez fosse sua cara-metade sumindo dentro de uma rua tão imensa quanto as mentiras que nos contamos todos os dias e gritaria para além da sua audição, gritaria para um homem que bem poderia levar-me à loucura escorada nas paredes, dependurada nessa aventura suja, meio despida meio vestida, meio sem saber o que seria certo e errado e em todo caso fazê-lo, porque não fazê-lo me levaria de volta a você.

 

Sergio Rocha, paulistano dos altos de Santana, escritor, poeta, jornalista (de)formado pela Filosofia, mas principalmente pai da Mariana, Fernanda, Giovana e avô do Ravi. Tem dois livros publicados, “Terceiro fragmento”, J. Andrade Gráfica e Editora, 2012, Aracaju/Se e “Um poema depois da chuva”, Rusvel-Triver Studio e Editora, 2018, São Paulo/SP. Vem participando de várias antologias impressas e virtuais. Organiza o Sarau Santa Sede, ministra oficinas de criação literária e é editor na Casa Editorial Livrará.

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