Chinelin

“Sou um homem limpo, discreto, com algumas manias, é verdade, mas nada que se compare ao constrangimento de ver o Tom de cueca toda quinta-feira”

Imagem: fongbeerredhot
por Tom Cardoso

Eu não ouvia nada tão triste desde que minha mãe me contou que não existia vida após a morte. Eu tinha 4 anos. Agora eu tenho 44 e não esperava passar de novo por um momento tão doloroso.

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— Seu Tom, não vou mais trabalhar para o senhor. É o meu último dia.

Era a Geni, a diarista que não faz café para qualquer um, me contando que havia recebido uma proposta de trabalho irrecusável.

— Quem é ele, Geni?
— Ele é seu amigo no Facebook.
— Quem?
— Chico Barbosa. Um careca, de óculos, cheio de pelo no ouvido.
— Eu sei quem é. Feladaputa. Invejoso.
— Ele foi bem objetivo comigo, Seu Tom. E me convenceu.
— Ele vai te pagar o dobro?
— Quase o dobro. Vou ter outras vantagens também. Não pude recusar, Seu Tom.
— Quais vantagens?
— Olha essa mensagem que ele me passou pelo Facebook.

“Prezada Genivalda. boa tarde. Você não me conhece, mas eu a conheço bem. Acompanho há tempos o seu drama pelo Facebook. O Tom, além de explorar a sua imagem, a usando para vender um livro de piadas, trabalha, mesmo no inverno, de cueca no sofá e a obriga a fazer pelo menos oito cafés por dia. Genivalda, a senhora não precisa passar por tantas privações. Venha trabalhar comigo. Sou um homem limpo, discreto, com algumas manias, é verdade, mas nada que se compare ao constrangimento de ver o Tom de cueca toda quinta-feira e ser citada por ele em quase todos os posts, sempre em posição vexatória. Aguardo uma resposta sua, para combinarmos o valor da diária. Ah, e não vai precisar fazer mais café, apenas introduzir uma cápsula na minha máquina Nespresso e adoçá-lo (são quatro gotas de adoçante)”.

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Não disse nada para a Geni. Ela volta semana que vem. Não vai suportar (ninguém suporta) uma das manias do Chico. Tenho certeza.


Geni, a diarista que não faz café para qualquer um, mas que agora trabalha para qualquer um, acaba de me ligar diretamente da casa do Chico Barbosa, o seu novo patrão. Eu sabia que isso ia acontecer.

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— Seu Tom.
— Fala, Geni, traidora.
— Tô desesperada.
— Por quê?
— Eu não consegui nem fazer café pro Seu Chico ainda.
— Por quê?
— Eu tô há mais duas horas catando pelos pela casa. E não vi cachorro nenhum no apartamento. Será que estão tomando banho?
— O Chico não tem cachorro, Geni.
— Como assim? E de onde vem tanto pelo?
— Do Chico.
— Como assim?
— Ele sofre de tricotilomania, Geni.
— O que é isso?
— Compulsão por arrancar o próprio pelo.
— Por isso ele é careca?
— Sim, ele arrancou fio por fio. Os irmãos dele são todos cabeludos. O Márcio, o mais velho, toca numa banda cover do Iron Maiden.
— Jesus Cristo.
— E onde tá o Chico agora, Geni?
— Tá trancado no banheiro há meia hora. – Ele gritou?
— Sim, várias vezes.
— Tá arrancando os pelos do nariz ou os do saco.
— Cruz-credo. – E ele tem outras manias também.
— Quais?
— Vai no quarto dele.
— Tô indo. Cheguei.
— Abre o armário.
— Abri. E aí?
— Tá vendo os chinelos?
— Sim. Nossa, quanto chinelo, um do lado do outro.
— É, ele sofre de chinelin.
— Chinelin?
— É o desejo incontrolável de manter os chinelos emparelhados. Pode olhar no Google. Quer saber as outras manias?
— Não, por favor. Seu Tom, você me aceita de volta?
— Só se você vier agora. Tô sentindo falta do seu café.
— Tô indo. Posso ir de Uber Black? O senhor paga?
— Pago. Vem.

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