Carta a um proletário

Querido proletário, você é a contradição exposta pela vida de que a realidade do ser humano não deve ser essa, você é a própria negação dessa realidade

Imagem: bissig
por Vitor Ferreira

Querido Proletário! Escrevo esta carta para que possa guardá-la consigo nos momentos difíceis de sua vida, para que nos momentos duvidosos possa de alguma forma retirar daqui algumas certezas sobre si. Que esta carta ajude a entender o que você talvez não saiba, quem você é e o que você significa.

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Caro Proletário, em algum momento de sua vida você pensou em ser um sonho, em ser uma possibilidade de futuro, em ser alguém diferenciado no mundo em que vive, imaginando-se como um ser livre que pode ir e ser tudo. Depois, ao crescer tornou-se alguém, mas não o da imaginação passada, tornou-se aquilo que o mundo lhe possibilitou ser, um trabalhador, um operário.

Enquanto trabalhador você talvez tenha achado que esse era você. Talvez nesse momento você não soubesse a dimensão de quem você era e o que você começava a representar, talvez você pensasse que ser trabalhador era realizar determinada atividade e ser pago por ela, ocupar uma profissão e ser um representante dessa profissão. Talvez nesse momento você não tivesse se dado conta que tudo o que você possuía consigo era a sua força de trabalho e a capacidade de venda dessa força para garantir sua existência.

A dimensão de quem você era nessa realidade citada acima não aparece no dia-a-dia, é claro que você não estava enganado se você apenas achasse que sua identidade era constituída pela representação de uma profissão, pois isso é a parte aparente do dia-a-dia do que você era. Mas me permita dizer a você que caso ainda não saiba, naquela época você já era muito mais, você era o presente do homem e da mulher que séculos atrás foram expulsos do campo, você era o início do símbolo daqueles e daquelas que tiveram suas terras e ferramentas expropriadas de forma violenta direta ou indireta, e que então foram obrigados a migrar para as cidades. Você é filho dos despossuídos, possuidor somente de sua força de trabalho, pois uma minoria de homens poderosos roubara tudo de seus ancestrais, uma minoria de homens não hesitou em adquirir poder através da força bruta e impiedosa e passar esse poder adiante dentro de sua linhagem. Você é herança do roubo, de leis que favoreciam e favorecem os poderosos, da servidão, da escravização e etc. 

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Você se tornará o que se tornou porque poucos homens ao se tornarem menos humanos na antiguidade (e ainda na atualidade), tentaram e tentam, tiraram e tiram de seus ancestrais e de você a condição de ser humano. Eles ao se tornarem donos dos meios de produção e escreverem as leis que garantem o funcionamento dessa produção, determinaram como a produção da vida real iria se dar, fazendo de você antes de um trabalhador uma expressão histórica de um movimento passado e continuado.

Hoje além de tudo isso que você já foi e ainda é, como expressão continuada da história, você se tornou Proletário, ao se relacionar e constituir uma família você se tornará um completo proletário no sentindo mais concreto da palavra que o define – proletário: aquele que tem prole/descendência/filhos. Pois agora para além de um trabalhador que vende o único bem herdado, a sua força de trabalho para garantir sua própria existência, você também a vende para garantir a vida daqueles que dependem de você, filhos e filhas. Agora para além de movido pela realidade, além de movido por suas próprias necessidades, você é movido para atender as necessidades daqueles que você ama, você é movido por exigência, sobrevivência e amor. E exatamente nesse momento você se torna, também, preocupação constante. Você adiciona a si um conjunto de sentimentos e pensamentos novos que vão ajudar a moldar quem você é, pois tudo que você sabe sobre quem é você nesse momento, ou quase tudo, é que você é alguém que não pode falhar.  

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Sobre falhar quero lhe dizer que isso não depende de sua livre vontade e de sua capacidade profissional, assim como toda a expropriação passada que lhe impôs a condição de ser trabalhador, “falhar” ou estar desempregado é uma condição que se expressa pela forma como a vida é produzida, é a produção direta daqueles que possuem todos os meios (roubados de todas as formas no passado e no presente) que o coloca nessa posição. Se já esteve ou está nessa posição sei que enfrenta por dentro de si esse tal sentimento de “fracasso” e que nessa situação talvez você se defina como um nada, um ser sem perspectiva. Bom, você não poderia estar mais engado a seu respeito, como já dito não é a sua profissão que o define, logo muito menos é a falta dela que dirá quem você é. 

Veja a situação de seu país com o processo de desindustrialização, por exemplo, se séculos atrás seus ancestrais foram expulsos do campo, o que os obrigou a serem proletários nas cidades, e isso determinou as condições na qual você nasceria, agora o desemprego pela fuga industrial e a impossibilidade de retorno ao campo devido à concentração e à robotização das terras, a sociedade feita por aqueles que conduziram e conduzem esses processos sangrentos, só pode lhe oferecer o desemprego ou algum emprego nas condições precárias como eram as do início da proletarização de seus antepassados. Todo esse movimento é produzido pelo mesmo egoísmo dos mesmos poucos homens e que só podem oferecer a você novos modos de vender sua força de trabalho, o que não significa uma forma melhor. Então seria você um destinado à servidão? Mais uma vez a resposta é um gigantesco NÃO! Você é a expressão dessa história, você é necessidade política, meu caro! “Você é a possibilidade da dissolução dessa sociedade doente”. 

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Querido Proletário, por fim talvez tudo dito acima e o que será dito abaixo dessa linha já seja de sua compreensão, talvez você já entenda, pois, antes de você saber, você sempre sentiu. Talvez você já tenha escutado o poema de Vinícius de Moraes “Operário em construção”, que é sobre você. Você é aquele que constrói as ruas da nação, aquele que tem as digitais marcadas em toda a riqueza do patrão. Querido proletário, você é a totalidade de cada palavra que foi dita aqui, você é a contradição exposta pela vida de que a realidade do ser humano não deve ser essa, você é a própria negação dessa realidade. Você foi feito para ser livre e sente isso desde seu primeiro pensar, aquele pensar de um futuro livre, diferenciado em que se podia ir e ser tudo. Você é sujeito protagonista, você é representante dos interesses da maioria de seu povo, você tendo a real consciência de quem você é e o que você significa, você se torna a possibilidade de sua emancipação, você transborda transformação, você é o chamado da própria revolução.

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