“Gostar de um jabaculezinho é uma coisa, ganhar um carro de graça já me parece outra coisa (…) Lembrei de uma outra história.”

por Tom Cardoso
Cá entre nós, sem hipocrisia: quem não gosta de um jabaculê? Jornalista adora. Essa história me fez lembrar de uma entrevista que eu fui fazer com um bilionário, representante no Brasil de uma grande montadora de carros. Fui até casa dele, que ocupava um quarteirão inteiro no bairro dos Jardins. Ele foi muito simpático, afável. No fim da conversa, já no cafezinho, me perguntou:
– Tom, que carro você tem?
– Tenho um Astra.
– Um Astra? (ele me perguntou com uma cara de nojo que eu me senti dono de um Chevette 81).
– Sim, um Astra. Por quê?
– Tom, esse carro é uma carroça! (odeio essa síndrome de Fernando Collor)
– Ah, eu gosto dele. O motor é 2.0. Subo a Raposo Tavares em cinco segundos.
– Você fala isso porque nunca dirigiu um dos nossos carros.
– Não. Sou jornalista, né?
– Tom, passa amanhã na concessionária do Itaim.
– Por quê?
– Eu consigo um bom desconto pra você.
– Não, obrigado. Tô feliz com o Astra.
– Tom, o desconto é de 90%.
Claro que não fui. Gostar de um jabaculezinho é uma coisa, ganhar um carro de graça já me parece outra coisa. Voltei pra redação. Estacionei o carro na garagem reservada aos diretores da revista. Foi a primeira vez que eu reparei: todos os carros, sem exceção, eram da marca da montadora representada no Brasil pelo meu entrevistado.
Lembrei de uma outra história.
Trabalhava no Caderno 2, do Estadão, como “crítico” de música. Recebi, de uma assessora de uma grande gravadora, o novo CD do Planet Hemp, na verdade um kit, com outras coisas, que veio dentro de uma bolsa verde. No mesmo dia, recebo uma ligação. Era a assessora.
– Tom, recebeu o novo CD? Tudo certo para a entrevista no Rio?
– Sim, tudo certo.
– Gostou da bolsa?
– Sim. É uma bolsa.
– Não, Tom. Não é uma bolsa comum. É “A Bolsa”. É feita de maconha. A gravadora mandou fazer apenas cinco delas. E distribuir para os principais jornalistas culturais do país (com 22 anos a gente acredita em tudo).
Fui para o Rio fazer a entrevista. Tudo pago pela gravadora. Voltei, escrevi a matéria, que não saiu. O Estadão, como se sabe, não é o mais libertário dos jornais. Era proibido até escrever “bunda”. Ou escrevia nádega ou no máximo – isso dependendo do humor do Ruy Mesquita – “bumbum”.
E nenhum editor seria maluco de permitir uma matéria no Estadão com uma banda que defendia o consumo de maconha no café da manhã. A matéria caiu.
No dia seguinte, a assessora me liga, furiosa:
– Tom, cadê a matéria?
– Não saiu. Caiu.
– Como assim? A gente mandou você para o Rio.
– Mas isso não é garantia de nada. Você sabe disso.
– Não é justo, Tom. Vou pedir para você devolver a bolsa de maconha.
– Não devolvi, é claro.
Minha mãe usa até hoje a bolsa de maconha.