Bélico | por Felipe Mendonça

#FlautaVertebrada: “Súbito, então, comecei / A oferecer flores e balas / Nas escolas, / Nos cinemas e teatros, / Em todas as ruas / E casas, / Em ônibus e trens.”

Imagem: zef art
por Felipe Mendonça

Flores bélicas
Rebentavam em todos os canteiros.
Bellum rufava seus tambores
Nas hostes do meu quarto,
Entoando um hino
Repleto de sequestro e assassinato.
Súbito, então, comecei
A oferecer flores e balas
Nas escolas,
Nos cinemas e teatros,
Em todas as ruas
E casas,
Em ônibus e trens.
Eram lírios e tomilhos
Furibundos,
Narcotizados
E guerreiros,
Lançados dos rifles
E bombardeiros.
E tudo parecia-me Terrível e Belo
Como a lua a estuprar-lhes os amantes
E a despregar-se, como um alien,
Sangrenta, crescente,
De nossos ventres.
Colhi todas essas flores
Ao som de desesperadas cigarras
E de justiceiras cimitarras.
Cheguei mesmo a cultivá-las e traficá-las
Por toda África e Palestina,
Flores fétidas e clandestinas,
Como um jardineiro
A passar tudo a facão,
Como um padeiro a envenenar o próprio pão.
Era preciso cumprir minha pena,
Seviciar todos
Que me maltrataram sem pena
E me entregaram aos chacais e hienas.
Hoje não cultivo mais.
Estou em paz.
Bato ponto,
Leio a Bíblia
E entrego o protocolo
A mães que carregam, no colo,
Filhos e pais
De futuras chacinas.

 

Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”.

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