Baixada | por Felipe mendonça

#FlautaVertebrada: “Vejo um homem / Mijando à linha férrea / E cadelas no cio / Ladrando pra todos os lados”

Imagem: Reprodução
por Felipe Mendonça

Enlaçam-me fios de cobre
E redes aéreas
De alta-tensão.
Percorre-me artérias
E pensamentos
O próprio ar
Que se eletriza
E nos puxa
Todos os cabelos
Com nós e emaranhados.
Venta! E como venta
Poeiras e detritos
Que nos sobem
Do chão e do asfalto,
De ruas repletas
De pregões, barras,
Barracas, feiras e rios
Que fendem, fedem
Reclamam,
Gritam e conjuram
Fé e delírios
Sobre infernos
E dragões,
Cidade baixa,
Baixada fluminense!
Belford Roxo,
Já em Cavalcânti
Sinto o teu fedor,
Vejo um homem
Mijando à linha férrea
E cadelas no cio
Ladrando pra todos os lados.
Vejo braços acotovelando-se,
Tentando subir na condução,
Espadas chamejantes
Rasgando o negror
Sem horizontes,
Enquanto as luzes
Dos postes e das casas
Tremeluzem tímidas
Na escuridão.
Vejo essa gente
A exibir, maltrapilha,
Feiuras teratológicas,
Deformidades e doenças
Por estradas e linhas
Que não conduzem
A lugar algum,
Mas devoram
Todo o lugar,
Casas e casebres
Que alguns chamam de lar.
Tua miséria e odor
Já se entranham,
Estranham-me
Perante mim mesmo.
Eu que me pensava
Cavalo e cavaleiro
Por praças e monumentos
A marchar
Estátuas de bronze,
Mas que não passo
De alguém que sangra,
Que chora,
Que cai no buraco
E escapa das pedradas,
Lutando por posição e espaço.

 

Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.

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