Tive a certeza de que estava morrendo, fiquei esperando o “filme” começar: dez segundos e nada; trinta segundos, nada, nem aquela musiquinha da Paramount.

por Tom Cardoso
Cético, ateu ortodoxo, nunca acreditei em porra nenhuma. Quando eu morrer, já pedi para os meus filhos me enterrarem num terreno baldio para não correr o risco de algum parente carola organizar uma missa de sétimo dia. Mesmo morto, não admito passar por um vexame dessa magnitude.
Outro dia um amigo, também descrente, me chamou de canto.
– Tom, sabe aquela lance de quando você morre passa um filme da sua vida na cabeça?
– Você me dizendo essas coisas? Que papo é esse?
– É, eu achava também que era a maior baboseira. Até quase morrer.
– É, você enfartou mês passado, né?
– Sim. E um filme passou na minha cabeça.
– Eram os remédios.
– Sei lá o que era. Mas o filme rolou.
– Quem era o diretor? Monicelli? Elia Kazan?
– Tô falando sério, Tom. É impressionante.
– Sei não..
– Experimente quase morrer pra você ver…
Não dei bola. Todo cara que quase morre fica meio místico.
No ano passado, no Rio, ao comer um polvo com batata e arroz de brócolis no Belmonte, tomar seis chopes e três caipirinhas, sai do boteco completamente de porre, quase vomitando. O hotel ficava a mais ou menos quatro quadras. Achei de bom tom, pra chegar logo, usar aquele patinete cor de abacate, o mesmo que os executivos de terno usam na hora do almoço na Faria Lima para se sentirem livres e descolados.
Acelerei vinte metros, o suficiente para cair e bater a cabeça naquelas bolas de concreto que a prefeitura do Rio inventou, sem sucesso, para evitar que os motoristas cariocas estacionem na calçada. A batida foi forte. Tive a certeza de que estava morrendo. Lembrei na hora do meu amigo. Fiquei esperando o filme começar. Dez segundos e nada. Trinta segundos. Nada. Nem aquela musiquinha da Paramount.
Até que ouvi uma vozinha, seguida de uma imagem de minha avó Luiza, na casa de Pinheiros, mexendo o sagu. Sentado na cadeira da cozinha, meu irmão gêmeo, remelento, brincando com um playmobil. Tomado de pânico, levantei, ignorei a tontura e corri em direção ao hotel. Entrei no banho, liguei o chuveiro e rezei o pai nosso baixinho, pra ninguém ouvir.
Quem é ateu, vive sustos como eu…