#FlautaVertebrada: “Faz jornadas / De doze horas / E, no fim, / Deve agradecer / Por não ser / Mandado embora”

por Felipe Mendonça
Carvão,
Força de tração,
Alimária
Feita apenas
Para queimar,
Puxar,
Carregar
E empurrar.
Eunuco,
Escravo
Pronto
A suportar
Todos os fardos
Por preço vil,
Sujo,
Sem descanso,
Cabisbaixo
E servil.
Para ele,
Não há tempo
Para ser,
Apenas para
Existir,
Pisoteado,
Como força
De trabalho.
Caso contrário,
Vai para a forca,
Para o calabouço,
Cortam-lhe
O salário
E o soldo.
E, apesar
De produzir
Tanta riqueza,
Morrerá,
À míngua,
Na pobreza.
Faz jornadas
De doze horas
E, no fim,
Deve agradecer
Por não ser
Mandado embora.
No andaime,
Trepado
Sob o sol,
Pinta muros
E fachadas
E, quando
Chega em casa,
Senta,
Na frente da tevê,
E não pensa,
Apenas aceita
Sua vida de desgraças.
Pede a Deus
Ou a conta
De quantas garrafas
Já bebeu
E, quando sorri,
É porque
Não sabe
Que, desde
Que nasceu,
Grita, a sua carne,
Por justiça
E liberdade;
E que, no fim,
Lhe restará apenas
Rebelar-se,
Tomando, para si,
Seu corpo e sujeito,
O país e a cidade,
E queimar
Templos, Romas
E Senados,
Arder, gritar,
Sublevar-se
E não apenas
Trabalhar,
Transformando,
Para si,
A força do seu braço
E o fogo do seu peito
Em favor dos explorados
Como fez
Zumbi
E Spartacus.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”.