Tava no caixa do mercado, dando mole, peguei, saí com três shampoo Colorama, que Colorama era shampoo fino, coisa de mulher que sabia o que queria

por Anderson França
Eu já robei.
Vocês não sei, mas eu já robei. Quando era mais jovem, muito.
Robei muito. Robei comida, robei um envelope de dízimo que ia pro pastor, tinha uns 25 merréis. Gastei com comida. Robei salgado, robei muito salgado do seu Francisco. Sacanagem isso. Acho até que seu Francisco faliu por minha causa.
Porra, eu também trabalhava na rua, vendia uns sanduíche “natural”
pão de forma branco
MAIONESE
atum
uma folha de alface
eu vendia,
levava numa cesta, deixava num buteco no Méier, um em Piedade, um no Encantado, e ficava com o resto na rua lateral da Gama Filho, tinha muito camelô na Gama Filho de primeiro, aquela faculdade era grande, foi a maior do subúrbio do Rio, até um ditador de Portugal, Marcelo Caetano, fugiu de Portugal quando eles acabaram com a ditadura em 74, e ele foi dar aula na Gama Filho, é mole. Ditador de Portugal dando aula em Piedade. Aí o seu Francisco vendia para caralho. Porra, o véio mandava.
Tinha um salgado do seu Francisco que era um empanado de frango, era uma LAPA de peito de frango dentro de uma camada de creme de batata, frito. COROLHO. O véio botava aquilo dentro do pão de amburg, precioso: era bom pra caralho. E ele fazia um molho rosé, maionese e catchup, e uns orégano, viadão, eu comia muito aquilo.
Só que ele era meio o árabe dos salgado. Ele achava que tava em Bagdá, pegava os salgado todo botava na frente da kombi, espalhado, ostentando, muita comida, feira das comida, Dubai das barraca de comida, numas cuba quente, aberta, era meio ceuf serv tinha um pegador de alumínio, dava pra ele, ele socava na chapa com o pão, pá.
Era nervoso o bagulho, um atrás do outro, todo mundo comia aquele caralho, soca frango, soca Francisco, soca no cu, piru durão eu chegava lá de tarde fingia que era estudante, deixava a cesta no canto, aí quando as estudante de medicina, as lora odonto elas vinha de bando no recreio delas, eu ia pro meio, amigo, eu pegava dois, três empanado de frango no meio da confusão as lora querendo sanduba, uma fofocaiada do caralho delas, os TELETRIM tocando, lembra Teletrim? Não? Não tinha gênero neutro no Teletrim. Tinha que ligar pra uma central, alguém anotava a tua mensagem, e mandava pra pessoa. Terminar namoro era meio que contar com a empatia do atendente.
-Sim?
-Quero mandar uma mensagem.
-Pois não.
-Sandra.
-Sandra…
-Não está dando mais.
-Não…está…dando…mais…
-Acabou.
-A…ca…bou.
-É isso.
-É…isso…
-Não, é isso a mensagem. Acabou.
-Ah, pois não. Desculpa.
E quando tu tava com tesão da porra queria chamar pra fuder?
-Sim?
-Quero mandar etc
-Pois não etc
-Edvanda
-Edvanda…vanda com V senhor?
-com v.
-Edvanda.
-Fiquei pensando em você
-Fiquei…pensando…em…você…
-Eu estou tomando banho demorado…todo dia…
-Eu…estou tomando… ….banho demorado…to…do…dia.
-A sua bunda, Edvanda…
-A sua…bun..da…
Pense.
Teletrim.
Robei. Robei biscoito recheado no Guanabara, no Pão de Acúcar, robei Pringle’s uma vez nas Lojas Americanas. Robei um saco com 3 shampoo. Tava no caixa do mercado, dando mole, peguei, saí com três shampoo Colorama, que Colorama era shampoo fino, coisa de mulher que sabia o que queria. Eu tava tão fudido que usava Colorama robado. E nem tinha cabelo. Calote, muitos. No 638, 254, 277, pulei na estação de Bangu pra pegar o trem. Aprendi a não pagar as coisa. Robei um boné no SAARA.
Fazia gato. Se eu pudesse pagar menos, pagava, vivia na Uruguaiana. Comprava uns relógio de 5 reais, durava um mês. Peguei a Era de Ouro da Uruguaiana. Robei talher no Outback. O Outback tinha uns garfo e umas faca gigante, eu não tinha aquilo, minhas faca em casa era fosca, meus garfo tudo torto. Robei. Por isso o Outback parou de deixar os talher na mesa, o garçom entrega, depois pega de volta, começaram isso por minha causa. Lei Anderson França. Ia no Outback na aba dos outro e ainda robava.
Robei muito.
Até eu parar de fazer isso, levou anos.
Minha companheira bateu foi muito nessa porra. Dizia pra eu parar de robar, que a gente ia ter as nossas coisas.
Amigo, mudar de hábito demora.
Parei de roubar comecei a comprar uma coisa, pagava pelas coisa. Fiquei triste, poderia estar roubando. Mas porra. Levou uns anos, pra eu aceitar o fato de que não dava pra roubar.
Pessoa demora a mudar.
Nem lembro mais como era roubar as coisas. Mas eu acho que a gente não muda de repente. Demora. Até eu incorporar que eu tinha as minhas coisas e podia ter, comprar, sem roubar, demorou. Não precisava de gato. Gato de luz, gato de água. Morei numa casa que tinha tanto gato, tinha três gato, nem era mais gato, era um tigre.
Porra mas não roubo mais.
Agora compro, se tenho, se não tenho, tô bem com o que tenho em casa. Já não preciso mais dar balão em mercado pra comer um biscoito.
E hoje, quando vejo um irmão nesse sanhaço, chego junto, pro cara não ficar numa de necessidade. Amanhã eu posso estar precisando, ele me ajuda.
Sei nem porque tô falando isso pra vocês, e aqui na página. Lembrei do Tim Maia, dizendo que, quando era jovem, foi preso por roubar umas cadeira de vime. E já era cantor naquele tempo, mas tava duro, e a gravidade que puxa a gente pra baixo, às vezes ela é forte.
Mas a vida seguiu, e ele não precisou mais.