#FlautaVertebrada: “Há muitos nazis lá fora! / Tirai vossa farda do armário! / O céu e o sol refulgem e refletem, / Em plena luz do dia, o ódio / Que nutris contra a Democracia”

por Felipe Mendonça
Já fizestes vossas orações matutinas
Em prol da família e do país?
Já lestes vossas revistas e gibis
E tomastes vossas pílulas do ódio
Com um gole de café a existências
Moles, magras, ralas dentro
De pijamas do medo e da decência
E de grossos casacões
A esconder vossas pelancas e mentiras?
Há uma baba purulenta e esquisita
Escorrendo entre as comissuras
De vossos lábios, ó cães raivosos,
Sob a aparência de dândis e playboys.
Travastes o bom combate
Gritando de vossas dentaduras
Por intervenções e golpes,
Imaginando-vos invencíveis nas batalhas,
Em tanque ou a galope,
Quando sequer sabeis armar uma bomba,
Formar num batalhão ao lado
De outros fuzis e soldados.
E como admirais os fuzis,
O cano grosso das escopetas,
O tamanho de obuses e canhões
Sempre eretos e perfeitos,
Sempre prontos a cuspir
Aço, morte e pólvora,
O prazer secreto que trancafiastes
Em cofres e gavetas,
Que sempre negastes,
Atrás de ferozes retóricas,
À aureola intocada e às virgens pregas
Que tremem toda a vez que vedes
A marcha de homens e batalhões.
Nas celas de praças,
De pedras, cartas e damas,
Altercais contra a memória
De assassinatos e casernas,
De velhos livros e prontuários
Que atirastes às chamas,
Porque são vis vossos heróis
E suja a água de vossas cisternas.
Vosso reino de insígnias
E sepultos pinochets
Assombra-se ante a imagem de Che
E de fogosas meninas
De saia e meias soquete,
Pois sabeis que vossos membros
Não ficariam firmes nem para um boquete.
Há muitos nazis lá fora!
Tirai vossa farda do armário!
O céu e o sol refulgem e refletem,
Em plena luz do dia, o ódio
Que nutris contra a Democracia,
Todo o vosso ser ignaro,
O amor que nunca tivestes
De vossos pais e que, agora,
Buscais em ridículos tiranos.
Ó reaças,
Perdeis todo o pejo e mostrais,
Na avenida, na rua ou na praça,
Todas as vossas deformidades e feiuras,
As aberrações mais estranhas,
Mas não esqueçais
Que poetas, Cubas e Joanas
Cavam, sob vossos pés,
Vossas sepulturas!
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”.