#FlautaVertebrada: “Amemos antes dos desenganos, / Pois logo nos prenderão / Em jaulas como bandidos, / Logo nos acusarão / De termos cometido algum delito”

por Felipe Mendonça
Amemos enquanto a Natureza
Nos põe nu de todo o véu!
Amemos enquanto não vem o tempo
De mortes, guerras e pobreza!
Amemos sob a amplidão dos céus,
Enquanto ouvimos os cânticos
De paixões e madrugadas
Que não conhecem a irrisão
Do sofrimento e do nada!
Amemos antes dos desenganos,
Pois logo nos prenderão
Em jaulas como bandidos,
Logo nos acusarão
De termos cometido algum delito,
Nos cortarão as asas
E despencaremos no chão!
Amemos pois é grande a poesia
E somente ela nos expia
Alegres e fingidos.
Amemos pois logo chegarão,
Repletos de labuta e tormento,
Operários e trabalhadores
Trazendo consigo
Um tempo de dores
E subdesenvolvimento,
De rios podres,
Moscas e cidades
Erguidas sob a exploração
De porcos capitalistas
Sobre tantas vidas!
Morrerão os haicais e os sonetos!
Nos tornaremos filhos do medo!
E comeremos com os comensais
Do ódio e do desespero!
Logo virá o tempo do crucificado,
Dos que se persignam culpados
Banidos da beleza e da virtude,
Dos que comem demais
Falsificados por meios
Que depravarão todos os desejos
E as reais necessidades
Por prazer, afeto
Felicidade e juventude!
Chegará o tempo
De sombrios paludes,
De homens frios e circunspectos
De terno e gravata,
Tempo de sede e de fome,
De tédio e quotidiano
Feito faca enfiada
No crânio e no abdome
Das horas de tântalos
De plástico e silicone.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.