A voz | por Felipe Mendonça

#FlautaVertebrada: “Meu corpo confrange-se, salto da cama a pressentir todos os desastres: corpos que se lançam em chamas
a encarar a face da insânia”

Imagem: O Partisano
por Felipe Mendonça

O que é esta voz que fala comigo
Nesta tarde sem amada ou amigo?

É algum louco a gritar?
É o canto de Zaratustra

Que me esconjura
De toda a Literatura?

É o corvo a grasnar
Sobre os restos de um altar?

A voz do idólatra e do iconoclasta,
Uma noite repleta de fantasmas?

Aquele louco alvedrio
Que levou Hamlet ao assassínio?

O gênio, a musa ou Mefistófeles
Nesta tarde sem fé, esperança ou padre?

Ou o canto do meu peito
Quando me encaro num espelho?

Meu corpo confrange-se. Salto da cama
A pressentir todos os desastres:

Corpos que se lançam em chamas
A encarar a face da insânia,

A barca sem Caronte
Para nos atravessar o Estige e o Aqueronte,

Abutres a bicar-nos acorrentados
A sombras e Cáucasos,

Tântalo a beber um rio atro
Que escorre da nossa fome.

De pé, grito no breu
Do meu quarto:

Meu Deus!
E a voz enfim responde:

Meu deus, meu deus, meu deus
E some…

 

Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”.

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