#FlautaVertebrada: “A vida é uma esfinge / Que nenhum livro ousou desafiar, / E todo o livro / É um Édipo cego e arruinado”

por Felipe Mendonça
Trocava tanta filosofia
Por um pouco de malandragem.
Para que tanta literatura
Se não sei nem cantar uma mulher,
Se não beijei a boca das putas,
Se não brinquei na terra suja?
A vida é telúrica!
E aproveitá-la,
Sujar-se nela
É a grande questão
E para isso
Nenhum livro presta!
Pois não ensina a viver,
Pois viver, brincar, sujar-se, amar
Aprende-se vivendo, brincando,
Sujando-se e, sobretudo, amando.
O belo na arte,
A arte retórica,
A arte poética
A metafísica,
O discurso do método,
A crítica da razão pura
Nada ensinam sobre a arte de viver,
Não dizem mais sobre a vida
Do que os homens em silêncio
Trabalhando, do que as mulheres
Amassando o pão ou parindo filhos.
Deixai os livros!
Eles se enfileiram nas estantes
Para o infinito…
E a vida é finita,
Acaba num átimo
Sem dizer-nos nada,
Sem que bibliotecas e museus
Sequer toquem-na a face
Recoberta de raízes e minérios.
A vida é uma esfinge
Que nenhum livro ousou desafiar,
E todo o livro
É um Édipo cego e arruinado
Perante o que um dia pensou ter decifrado,
Um livro que jamais deveria ser aberto.
Ó, por que não queimaste
Com toda a biblioteca de Alexandria,
Ingênua letra, ingênuo verso
E teorema?
A vida é uma esfinge
A nos propor nada
Que é o tudo assim posto,
A luz do sol a tocar nosso rosto,
A secar as lágrimas do desgosto
E as páginas de um livro
Repletas de odes.
Felipe Mendonça é poeta e ensaísta brasileiro, nascido em 1976, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que cresceu no Rio de Janeiro no bairro da Ilha do Governador. Hoje vive em Belford Roxo/RJ. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Administra um blog de poemas chamado “Poesia, necessário pão” em que publica poemas de sua autoria, tendo publicado em 2018, pela Chiado Books, um livro de poemas intitulado “Reescritos”. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às segundas-feiras.