A tempestade I | por Sergio Ravi Rocha

#FlautaVertebrada: “Talvez não fizesse mesmo sentido acordar todas as manhãs, olhar-se entristecido ainda e procurar um rosto no espelho que se parecesse um pouco comigo”

Imagem: Wolfgang Hasselmann
por Sergio Ravi Rocha

Talvez eu voltasse àquele ponto exato da conversa e você me interrompesse apontando o horizonte chumbado àquilo tão bem definido como fim de mundo e eu insistisse que se danasse a tempestade e pedisse outra cerveja e você mais uma vez retornasse para dentro de uma confusão futura prevendo ruas alagadas e fizesse menção de chamar um táxi que se deslocasse o mais rápido possível para os lados de um mundo a salvo.

Talvez.

Talvez não fizesse mesmo sentido acordar todas as manhãs, olhar-se entristecido ainda e procurar um rosto no espelho que se parecesse um pouco comigo e só então avisar que já estou indo buscar o pão e que talvez eu passe na banca e pergunte se o seu fascículo já chegou e que também posso olhar o céu pelo tempo que for preciso e descobrir que um dia entre uma cerveja e outra você resolva fugir da chuva deixando-me só com dois copos no balcão.

Talvez eu lhe pegasse pela mão, mas não tão firme que a mantivesse perto de mim e outra vez olhasse o castanho dos seus olhos como quem olha a própria vida se afastando e se afastando talvez você descobrisse que a salvo de mim toda vez que abro os olhos de manhã desejando-lhe boa sorte e que a trago nos bilhetes rotos que talvez eu tenha que salvar das águas já que me decidi pelo horizonte chumbado àquilo que imagino como sendo a tempestade.

 

Sergio Ravi Rocha, paulistano dos altos de Santana, escritor, poeta, jornalista (de)formado pela Filosofia, mas principalmente pai da Mariana, Fernanda, Giovana e avô do Ravi. Tem dois livros publicados, “Terceiro fragmento”, J. Andrade Gráfica e Editora, 2012, Aracaju/Se e “Um poema depois da chuva”, Rusvel-Triver Studio e Editora, 2018, São Paulo/SP. Vem participando de várias antologias impressas e virtuais. Organiza o Sarau Santa Sede, ministra oficinas de criação literária e é editor na Casa Editorial Livrará. Escreve n’O Partisano quinzenalmente aos sábados.

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